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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2012 Susanne James. Todos os direitos reservados.

LEGADO ENVENENADO, N.º 1435 - Janeiro 2013.

Título original: The Theotokis Inheritance.

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2013.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2504-8

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

Helena verificou as horas ao chegar ao estacionamento do escritório de advogados Messrs, Mayhew and Morrison, em Dorchester. Faltavam cinco minutos para as três de uma tarde fria de abril, o que significava que chegara com cinco minutos de antecedência e que o trajeto desde Londres fora rápido.

No entanto, tinha uma sensação de nostalgia. Tinha-a sempre que voltava a Dorset, a sua terra natal. E, daquela vez, não voltava há muito tempo, exatamente quatro anos, desde o funeral do seu pai, Daniel.

Abriu a mala, tirou a carta do advogado e leu-a mais uma vez. Limitava-se a confirmar a data da leitura do testamento da senhora Isobel Theotokis.

Quando guardou a carta na mala, tinha os olhos húmidos. A senhora Theotokis, patroa do seu pai durante muitos anos, não se tinha esquecido dela, nem tinha esquecido a promessa que lhe fizera na sua infância de que um dia lhe daria a preciosa coleção de estatuetas de porcelana.

Helena viu-se ao espelho retrovisor do carro. Os seus olhos azuis grandes pareciam brilhar com algum tipo de luz, ao ponto de alguém lhe ter dito em certa ocasião que pareciam saídos do vitral de uma catedral. Era de traços regulares, nariz pequeno e pele clara. E, naquele dia, apanhara a cabeleira loira densa num coque.

Saiu do carro e dirigiu-se para o escritório de advogados. A rececionista levantou a cabeça ao vê-la e sorriu.

– Boa tarde! Sou a menina Kingston.

– Ah, sim... Boa tarde, menina Kingston – a rapariga levantou-se e levou-a até um dos escritórios. – O senhor Mayhew está à sua espera.

John Mayhew, sócio maioritário do escritório, levantou-se para a cumprimentar e apertar-lhe a mão. Era um homem baixo, de sobrancelhas brancas povoadas e bigode igualmente branco.

– Obrigado por vir, Helena.

Ela sentiu um nó na garganta. John era um velho conhecido de Helena, o homem que tratara dos assuntos legais do seu pai.

– Sente-se, por favor – continuou o advogado. – Temos de esperar pela outra parte interessada... Mas suponho que esteja quase a chegar.

John acabara de dizer a frase quando a porta se abriu. Helena virou a cabeça e a sua mente encheu-se imediatamente de lembranças.

Não podia acreditar.

Era Oscar. O sobrinho-neto de Isobel, o rapaz por quem em tempos estivera apaixonada, o rapaz com quem se iniciara no amor.

Mas, desde então, tinham passado dez anos, uma vida inteira.

Tentou controlar o seu nervosismo e olhou para ele. Continuava a ser o homem mais bonito e mais sensual com quem estivera. O corte de cabelo era mais formal do que recordava, mas os lábios, que a tinham beijado tantas vezes, não tinham mudado absolutamente. Usava um fato que fazia justiça ao corpo magro e poderoso, e uma camisa branca com o colarinho aberto.

Oscar olhou para ela e Helena engoliu em seco.

– Creio recordar que se conhecem – disse John, – mas, de qualquer forma, permitam-me que faça as apresentações.

– Não te incomodes, John – interveio Oscar. – Conhecemo-nos há muitos anos, quando eu ia visitar a minha tia-avó nas férias. Como estás, Helena?

John apertou-lhe a mão e o coração de Helena acelerou ao sentir o contacto dos seus dedos.

– Bem, obrigada – respondeu, com naturalidade. – E tu?

– Muito bem.

Oscar sentou-se numa das poltronas que havia à frente da mesa de John e lançou um olhar rápido à sua velha amiga.

A pálida e, às vezes, lânguida Helena transformara-se numa mulher refinada e extraordinariamente atraente que exibia todos os atributos da natureza feminina. Usava um casaco azul, uma blusa creme e umas calças pretas, e sapatos de salto alto. Ao ver que olhava para ela, abriu a boca como se estivesse prestes a dizer algo, mas John voltou a falar e Oscar não teve outro remédio senão prestar-lhe atenção.

Depois dos preliminares da praxe, o advogado abriu uma pasta e tirou o documento que continha.

– Tenho aqui o testamento e as últimas vontades de Isobel Marina Theotokis, assinados em Mulberry Court, no condado de Dorset...

John iniciou a leitura do testamento, cuja primeira parte eram detalhes de caráter legal. Enquanto ele lia, Helena acalmou-se um pouco. Albergava a esperança de que a reunião fosse breve e pudesse partir depressa. O escritório estava a aquecer com a luz do sol da tarde que entrava pela janela e tinha de fazer um verdadeiro esforço para não olhar para Oscar.

Ao fim de alguns minutos, John pigarreou. Tinha chegado a parte crucial.

– «Lego ao meu querido sobrinho-neto, Oscar Ioannis Theotokis, metade da propriedade conhecida como Mulberry Court, no contado de Dorset. Quanto à outra metade, deixo-a em herança à minha querida e velha amiga Helena Kingston. Os bens repartir-se-ão de forma equitativa entre as duas partes mencionadas.»

Helena ficou tão espantada, que esteve prestes a levantar-se da poltrona. Jamais teria imaginado que tinha a intenção de lhe deixar metade de Mulberry Court. Pensava que só ia receber as estatuetas que decoravam a biblioteca da casa.

Se naquele momento lhe tivesse caído um cometa em cima, não se teria surpreendido mais.

Helena estava tão desconcertada, que teve de fazer um esforço para escutar os nomes do resto dos beneficiários. Formavam uma longa lista e incluíam pessoas como Louise, a governanta de Mulberry Court, que ia receber uma quantia bastante generosa de dinheiro. Mas o mais importante ficava nas mãos de Oscar e nas suas.

– Além do que já ouviram – continuou John, – a senhora Theotokis deixou algumas instruções – o advogado fez uma pausa, antes de continuar: – Pediu que Mulberry Court só fosse posta à venda um ano depois da data do seu falecimento e que, chegado o caso, se fizesse o possível para que a propriedade ficasse nas mãos de um casal com filhos. Sei que o senhor e a senhora Theotokis não chegaram a ter descendência. Suponho que gostasse que a casa se enchesse de crianças um dia.

Helena emocionou-se ao ouvir as palavras de John. Isobel, uma mulher amável e encantadora que se dava bem com toda a gente, sempre fora muito generosa com ela e, agora, deixava-lhe uma parte da casa que tanto amara.

Mais do que um presente, era uma honra.

No entanto, perguntou-se como a afetaria aquele presente a curto prazo. E o que significaria para Oscar, embora assumisse que não perderia tempo com aquele assunto. Afinal, estava totalmente centrado no famoso império empresarial dos Theotokis.

Depois de alguns segundos de silêncio tenso, Helena decidiu falar.

– Sinto-me desconcertada, mas também muito agradecida. Emociona-me que a senhora Theotokis gostasse de mim ao ponto de me deixar metade da sua casa... E, como é lógico, farei o que for necessário para facilitar o processo.

Durante os minutos seguintes, Helena mal conseguiu concentrar-se no que estavam a dizer. De repente, era proprietária de metade de Mulberry Court, uma propriedade cheia de tesouros. E, quando o advogado deu um molho de chaves a cada um, ela ficou a olhar para o seu com desconcerto.

Por fim, levantaram-se das poltronas. Oscar olhou-a nos olhos e Helena apercebeu-se de que ele também ficara atónito. De seguida, despediram-se do advogado e saíram do edifício.

– Que grande surpresa... – começou a dizer Oscar e encolheu os ombros. – Mas tenho a certeza de que poderemos chegar a um acordo que satisfaça os dois.

Helena quis falar, mas ele ainda não tinha terminado.

– Vou encarregar-me de que avaliem a propriedade. Assim, saberemos o que esperar no ano que vem, quando a vendermos. É uma pena que a minha tia-avó nos tivesse imposto esse prazo. Teria sido melhor resolvê-lo o quanto antes.

Ela voltou a olhar para ele, incapaz de acreditar que se encontrava naquela situação com Oscar. Com o homem por quem se apaixonara na sua adolescência. Com quem lhe tinha ensinado o que significava desejar e ser desejada.

Não tinha esquecido os seus encontros românticos sob os ramos do salgueiro que havia atrás do pomar da casa, nem tinha esquecido que Oscar acabara com eles de repente e sem muitas explicações. Depois de uma visita, simplesmente desaparecera e levara o seu coração com ele.

Engoliu em seco e tentou não pensar naquilo. Eram águas passadas e, por outro lado, agora tinha coisas mais importantes entre mãos.

Apercebeu-se de que Oscar não tinha mostrado nenhum agradecimento pela herança da tia-avó, mas não a surpreendeu, pois era membro da dinastia fabulosamente rica dos Theotokis. Para ele, metade de Mulberry Court e dos bens devia valer muito pouco.

– Acho que temos de conversar, Oscar – declarou, com naturalidade. – Sei que os bens pessoais de Isobel eram muito importantes para ela...

– Não te preocupes com isso. A avaliação da propriedade e do seu conteúdo ficará a cargo de um grupo de peritos em arte e em antiguidades. Certificar-se-ão de que tudo se faça de forma adequada.

Ela franziu o sobrolho.

– Não me entendeste bem. Não duvido dos peritos que pretendes contratar, simplesmente acho que isso deveria ser responsabilidade nossa, tua e minha. Ao fim e ao cabo, estamos a falar da propriedade de Isobel.

Oscar arqueou um sobrolho.

– Sim, bom... Talvez tenhas razão – disse, contrariado. – Mas não ando com muito tempo. Tenho de estar no meu escritório de Londres até ao fim do mês e, a seguir, vou para a Grécia. Além disso, suponho que tu também tenhas os teus próprios compromissos. Isobel mencionou-me que vivias e trabalhavas na capital.

Helena assentiu.

– Sim, atualmente dirijo a agência de emprego Harcourt, embora esteja à procura de outro emprego.

– Porquê? Não estás satisfeita com o teu emprego?

– Não é isso... Necessito de uma mudança.

Oscar olhou para ela com interesse, mas não disse nada a respeito daquilo.

– Bom, se tu puderes, eu posso voltar no fim de semana. Dois dias serão suficientes para termos uma ideia do que devemos fazer.

– Sim, é óbvio que posso – disse ela, – mas devíamos fazê-lo com calma. Quero fazê-lo bem, sem pressa... Para honrar a memória de Isobel.

Helena caminhou para o lugar onde tinha estacionado o carro, com Oscar atrás dela. Ao chegar ao veículo, tirou um cartão da mala e disse:

– Se precisares de mim antes do fim de semana, podes localizar-me neste número – ele guardou o cartão de Helena e deu-lhe o seu, que ela meteu na mala. – É melhor que me vá embora – continuou. – Está a fazer-se tarde e o trânsito será bastante pior do que esta manhã, quando vim.

Oscar abriu-lhe a porta. Helena sentou-se ao volante e perguntou-se se devia pedir-lhe desculpa pela situação em que se encontravam, mas pensou que carecia de sentido. Isobel Theotokis tinha o direito de deixar a sua casa a quem quisesse.

– Voltarei na sexta-feira à noite – continuou Helena. – Assim, teremos o sábado e o domingo para conversar tranquilamente e ver a propriedade. Suponho que ficarei numa das hospedarias da zona – informou.

– Eu também necessito de alojamento, portanto, posso encarregar-me de reservar os quartos. Telefonar-te-ei a dar-te os pormenores.

– Ah... – disse, surpreendida. – Obrigada.

Helena ligou o carro e arrancou. Ao olhar pelo retrovisor, viu que Oscar continuava no estacionamento e perguntou-se no que estaria a pensar. Tinha reagido à notícia com naturalidade, sem mostrar emoção alguma, mas supunha que teria preferido ser o único proprietário de Mulberry Court.

De qualquer forma, alegrava-se por voltar sozinha para Londres. Assim, teria oportunidade de pensar no acontecido.

Ela, Helena Kingston, acabava de herdar uma fortuna. Era como ganhar a lotaria sem ter comprado uma cautela. E não sabia se estaria preparada para ter tanto dinheiro. Nem sequer tocara na modéstia herança que lhe deixara o seu pai, o qual tinha enviuvado quando ela tinha apenas dez anos.

Mas, além dessa questão, havia outro problema. Oscar e ela teriam de estar juntos em condições muito estranhas. Já não eram os jovens apaixonados que tinham sido dez anos antes. Agora, até a menção daquela época seria embaraçosa para os dois.

Teria dado qualquer coisa para saber se Oscar se lembrava dos seus passeios, das suas carícias e dos seus beijos. E também teria dado tudo para saber se recordava que a tinha abandonado.

 

 

Oscar estava bastante agitado quando entrou no seu carro. O encontro com Helena tinha despertado emoções que acreditava esquecidas.

Franziu o sobrolho e apertou o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Assim que a vira no escritório de John, sentira-se dominado por um sentimento intenso de perda. Arrependia-se de a ter abandonado dez anos antes, de ter permitido que o destino governasse as suas vidas.

Com o tempo, Oscar tinha-se convencido de que não voltariam a ver-se, mas pensava nela com frequência e perguntava-se se se teria casado e se teria filhos. E, naquela tarde, ao notar que não usava aliança de casada, sentira a necessidade de a abraçar e provar a sua boca.

Mas, naturalmente, refreara os seus impulsos. Helena não tinha motivos para o amar outra vez.

Além disso, estava muito surpreendido com a decisão da sua falecida tia-avó. Embora soubesse que Isobel apreciava muito Helena, não imaginava que tivesse a intenção de lhe deixar metade da propriedade. No entanto, também não lhe importava muito. O dinheiro nunca tinha significado nada para ele. Nesse sentido, a única coisa que lhe interessava era o sucesso da empresa familiar. Pelo menos, desde que assumira que a empresa era o seu destino.

Ao pensar nisso, Oscar sorriu sem humor. Tinha cumprido todas as expetativas da sua família, menos uma, a de encontrar uma esposa adequada. E, se o seu pai levasse a dele avante, seria uma esposa da família Papadopoulos, que tinha laços financeiros importantes com o clã dos Theotokis.

«Já é hora de te casares e assentares a cabeça», repetia Georgios cada vez que surgia a conversa. «Uma esposa grega seria um investimento magnífico... Há duas jovens maravilhosas que estão à espera de que te decidas. Qualquer uma delas te faria feliz. Pode saber-se o que se passa contigo? Qual é o problema?»

O problema de Oscar era muito simples. Por muito atraentes que fossem Allegra e Callidora Papadopoulos, não estava apaixonado por elas. E também não havia outra mulher com quem quisesse partilhar a sua vida.

Se alguma vez se casasse, seria por amor, um fator completamente alheio ao investimento que o seu pai via no casamento.

Arrancou com o carro e endireitou os ombros. O problema de Mulberry Court e dos bens que continha era mais imediato do que o do seu casamento. E, indevidamente, implicava passar bastante tempo com Helena, e, conhecendo-a como a conhecia, discutir até ao último detalhe.

Oscar já tomara uma decisão sobre o seu alojamento. E, ao sair de Dorchester, conduziu rapidamente até ao hotel Horseshoe Inn, que se encontrava a poucos quilómetros de distância.

Era um hotel pequeno, mas cómodo e discreto, onde poderiam conversar e fazer negócios sem que ninguém os distraísse. Oscar nunca gostara de hotéis grandes. Quando estava em Londres, ficava no seu apartamento, que lhe oferecia a tranquilidade que necessitava e uma garagem com capacidade suficiente para os seus carros.

E, agora, enquanto estacionava o seu desportivo elegante, lembrou-se de como Helena tinha tirado bem o carro do estacionamento do escritório de John. Um carro velho, embora em bom estado. E, sem dúvida alguma, perfeito para andar por Londres.

Aquilo deu-lhe uma ideia. O carro velho indicava que Helena tinha pouco dinheiro e a escolha do carro, que era uma mulher pragmática. Havia a possibilidade de que desse o braço a torcer se lhe oferecesse uma quantia maior do que o valor da casa e dos bens que continha. Além disso, a sua solução tinha a vantagem de lhe evitar o incómodo de ir a Mulberry Court para avaliar pessoalmente a propriedade.

Mas era impossível. Helena deixara bem claro que não o aceitaria. Estava decidida a fazê-lo pessoalmente.

Oscar gemeu e perguntou em voz alta:

– Sempre te adorei, Isobel, mas porque me fizeste isto?