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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2008 Susan Wiggs

© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Fecha os olhos…, n.º 39 - Março 2016

Título original: Just Breathe

Publicado originalmente por Mira Books, Ontario, Canadá

 

Reservados todosos direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura

coincidência.

® Harlequin, HQN e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-7930-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S. L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Parte Um

Um

Parte Dois

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Parte Três

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Dezassete

Dezoito

Parte Quatro

Dezanove

Vinte

Vinte e um

Vinte e dois

Vinte e três

Vinte e quatro

Vinte e cinco

Vinte e seis

Vinte e sete

Vinte e oito

Vinte e nove

Trinta

Parte Cinco

Trinta e um

Trinta e dois

Trinta e três

Trinta e quatro

Trinta e cinco

Parte Seis

Trinta e seis

Trinta e sete

Trinta e oito

Trinta e nove

Quarenta

Quarenta e um

Quarenta e dois

Epílogo

Agradecimentos

Se gostou deste livro…

Parte Um

 

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Um

 

Depois de um ano de constantes visitas à clínica, Sarah começava a achar a decoração irritante. Talvez os especialistas pensassem que os tons ocres tinham um efeito calmante nos candidatos ansiosos a pais. Ou talvez pensassem que o borbulhar vibrante de uma fonte podia fazer com que uma mulher estéril encontrasse espontaneamente um óvulo. Ou mesmo que o brilho suave dos sinos de latão pudesse induzir um esperma errante a encontrar o seu caminho para casa, como se fosse um míssil teleguiado.

O período pós-procedimento, com ela deitada de costas e as ancas elevadas, começava a parecer-lhe uma eternidade. Já não era a prática padrão esperar depois da inseminação, mas muitas mulheres, incluindo Sarah, eram supersticiosas. Precisavam de toda a ajuda que conseguissem ter, até da própria gravidade.

Alguém bateu suavemente à porta e, depois, ela ouviu-a a abrir-se.

– Como estamos? – perguntou Frank, o enfermeiro-chefe. Frank tinha a cabeça rapada, barba por baixo do lábio inferior e um único brinco e usava um uniforme cirúrgico com pequenos coelhinhos. O senhor Limpo mostrava o seu lado atencioso.

– À espera que seja «nós» desta vez – admitiu, apoiando as mãos atrás da cabeça.

O sorriso dele fez com que Sarah sentisse vontade de chorar.

– Alguma contração?

– Nada, para além do costume – ela ficou silenciosamente deitada na marquesa acolchoada e coberta com um lençol estéril enquanto ele verificava a sua temperatura e registava as horas.

Ela virou a cabeça para o lado. Daquela perspetiva, conseguia ver os seus pertences organizadamente alinhados na prateleira do vestiário adjacente: a mala cor de canela da Smythson, da Bond Street, roupas de marca, botas suaves como manteiga deixadas cuidadosamente contra a parede. O seu telemóvel, programado para ligar para o marido com um toque, ou até com comando de voz.

Olhando para toda aquela abundância, viu as características típicas de uma mulher bem-sucedida. Bem sustentada. Talvez… Não, definitivamente mimada. No entanto, em vez de se sentir lisonjeada e especial, sentia-se simplesmente… velha. Como fosse de meia-idade, em vez de ainda nos seus vinte e poucos anos, a cliente mais jovem da Fertility Solutions. A maioria das mulheres da idade dela ainda morava com os namorados em sótãos mobilados com caixas de leite e tábuas por pintar. Não devia ter inveja delas, mas, às vezes, não conseguia evitar.

Sem nenhum bom motivo, Sarah sentia-se defensiva e vagamente culpada por se submeter a terapias caras.

– Não sou eu – queria explicar a completos desconhecidos. – Não há nada de errado com a minha fertilidade.

Quando ela e Jack tinham decidido procurar ajuda para engravidar, ela começara a tomar Clomid só para dar uma ajuda à Mãe Natureza. Ao princípio, parecera-lhe uma loucura tratar o seu corpo perfeitamente saudável como se houvesse alguma coisa de errado, mas, naquela altura, já estava habituada aos remédios, às cãibras, aos ultrassons transvaginais, aos exames de sangue… e à deceção esmagadora cada vez que os resultados eram negativos.

– Oh, não fiques assim – encorajou-a Frank. – Sentir medo atrai coisas más. Na minha opinião totalmente científica.

– Não estou com medo – sentou-se e sorriu. – Estou bem, a sério. É que esta é a primeira vez que Jack não pôde estar presente na consulta. Então, se funcionar, um dia, vou ter de explicar ao meu filho que o pai dele não estava presente no momento da conceção. O que vou dizer-lhe, que o tio Frank veio por ele?

– Bom, seria bom.

Sarah pensou que a ausência de Jack não era culpa dele. Que não era culpa de ninguém. No momento em que o ultrassom revelara um folículo do ovário a amadurecer e ela injetara HCG, só tinham trinta e seis horas para a inseminação intrauterina. Infelizmente, Jack já agendara uma reunião para o fim da tarde, no estaleiro da obra. Não tinha como adiar a reunião. O cliente vinha de fora da cidade, dissera-lhe.

– Então, ainda estão a tentar à moda antiga? – perguntou Frank.

Ela ficou vermelha. As ereções de Jack eram raras e, ultimamente, praticamente desistira.

– Isso não tem corrido muito bem.

– Trá-lo amanhã – pediu Frank. – Marquei para as oito – haveria uma segunda inseminação intrauterina enquanto a janela de fertilidade ainda estivesse aberta. Ele entregou-lhe um cartão de lembrete e deixou-a sozinha para se recompor.

O desejo dela por um filho transformara-se numa sede que era dolorosamente física, que se intensificava à medida que os meses passavam sem resultados. Aquela era a décima segunda visita dela. Há um ano, nunca pensara que alcançaria essa marca e muito menos que a enfrentaria sozinha. Aquela história tornara-se depressivamente rotineira; as injeções, a invasão do espéculo, a pontada e o ardor do cateter de inseminação. Depois de todo aquele tempo, a ausência de Jack não devia ser importante, pensou, enquanto se vestia. Entretanto, para Sarah, era fácil lembrar-se de que, no centro de toda a ciência e tecnologia, estava algo muito humano e elementar: o desejo por um bebé. Ultimamente, até lhe custava olhar para mães com bebés. Vê-las transformava o desejo numa dor física.

Ter Jack ali para lhe segurar a mão e suportar a música new age de fundo com ela tornava as consultas mais fáceis. Gostava do humor e do apoio dele, mas, naquela manhã, dissera-lhe para não se sentir culpado por perder a consulta.

– Está tudo bem – tranquilizara-a, com um sorriso irónico, ao pequeno-almoço. – As mulheres engravidam sem os maridos todos os dias.

Ele mal erguera o olhar enquanto verificava as mensagens no smartphone.

– Ótimo, Sarah!

Ela tocara no pé dele por baixo da mesa.

– Era para continuarmos a tentar engravidar da forma convencional…

Ele levantara os olhos e, por um instante, ela vira um brilho sombrio neles.

– Claro – confirmara, afastando-se da mesa e organizando a pasta. – Por que outra razão faríamos sexo?

Aquela atitude de ressentimento começara há vários meses. Sexo por obrigação, pelo bem da procriação, não era algo que os deixasse excitados, e ela não podia esperar que a libido dele voltasse.

Houvera uma época em que olhava para ela de uma forma que a fazia sentir-se como uma deusa, mas isso fora antes de ele ter ficado doente. Era difícil interessar-se pelo sexo, costumava dizer Jack naqueles dias, depois de ter sido irradiado. Sem falar na remoção cirúrgica de um dos testículos. Jack e Sarah tinham feito um pacto. Se ele sobrevivesse, eles voltariam ao sonho que tinham antes do cancro: tentar ter um bebé. Muitos bebés. Eles tinham feito piadas sobre o testículo solitário dele, tinham-lhe dado um nome, a Uni-bola, e tinham-lhe dado toda a atenção do mundo. Quando a quimioterapia dele acabara, os médicos tinham dito que ele tinha uma boa hipótese de recuperar a fertilidade. Infelizmente, a fertilidade não fora restaurada. Nem a função sexual. Pelo menos, não num nível previsível.

Então, tinham decidido tentar a inseminação artificial, usando o esperma que ele conservara como precaução antes de começar o tratamento agressivo. Assim, começara o ciclo de Clomid, as visitas frequentes à Fertility Solutions de North Shore e contas tão enormes que Sarah parara de as abrir.

Felizmente, as contas médicas de Jack estavam cobertas, porque o cancro não devia acontecer com recém-casados que tentavam começar uma família.

O pesadelo viera à tona às 11h27, numa manhã de terça-feira. Sarah lembrava-se claramente de ter visto as horas no ecrã do computador, tentando lembrar-se de respirar. A expressão no rosto de Jack levara-a às lágrimas, mesmo antes de ele ter dito as palavras que mudariam o rumo das vidas deles:

– É cancro.

Depois das lágrimas, ela jurara fazer o marido superar a doença. Por ele, aperfeiçoara «o sorriso», que ela invocava quando a quimioterapia o transformava numa poça que vomitava e tremia no chão. O sorriso «tu consegues, campeão, estou contigo até ao fim.»

Naquela manhã, sentindo-se triste depois da conversa deles, tentara ser sociável ao folhear o panfleto de Shamrock Downs, o projeto atual dele, um empreendimento de luxo nos subúrbios. O panfleto dizia: «Centro equestre, projeto por Mimi Lightfoot, EVD.»

– Mimi Lightfoot? – perguntara Sarah, analisando as fotografias com foco suave de pastagens e lagos.

– Muito conhecida entre pessoas que gostam de cavalos – garantira-lhe. – O mesmo que Robert Trent Jones significa em matéria de projetos de campos de golfe, ela significa em picadeiros.

Sarah questionara-se se seria um desafio projetar um picadeiro oval.

– Como é ela?

Jack encolhera os ombros.

– Tu sabes, equina. Pele seca e sem maquilhagem, cabelo apanhado num rabo de cavalo – e relinchara.

– És muito mauzinho – levara-o até à porta para se despedir. – Mas tens um cheiro delicioso – inspirara a fragrância de Karl Lagerfeld, que ela própria lhe dera em junho. Comprara-a secretamente, juntamente com uma caixa de charutos de chocolate, para o Dia do Pai, pensando que poderia haver alguma coisa para comemorar. Quando descobrira que não haveria, dera-lhe o Lagerfeld na mesma, só para ser gentil. E comera o chocolate.

Também percebera que ele estava a usar umas calças perfeitamente vincadas, uma das camisas feitas à medida da Custom Shop e uma gravata Hermès.

– Clientes importantes? – perguntara.

– Como? – ele franzira o sobrolho. – Sim. Vamos fazer uma reunião sobre os planos de marketing para o empreendimento.

– Está bem – concedera. – Tem um bom-dia, então. E deseja-me sorte.

– Como? – perguntara novamente, vestindo o seu casaco Burberry com movimentos de ombro.

Ela abanara a cabeça e beijara a bochecha dele.

– Tenho um encontro tórrido com o teu exército de dezassete milhões de espermatozoides – troçara.

– Ah, bolas! Não posso mudar esta reunião.

– Vou ficar bem – beijando-o em despedida mais uma vez, conteve uma pontada de ressentimento com o ar impaciente e distraído dele.

Depois do procedimento, ela seguiu as placas que indicavam a saída até ao elevador e desceu até ao estacionamento. Bizarramente, a clínica tinha serviço de estacionamento, mas Sarah não conseguia obrigar-se a usá-lo. Já era mimada o suficiente. Calçou as luvas com forro de caxemira, fletindo os dedos para os fazer entrar na camurça suave, e acomodou-se no banco de couro aquecido do Lexus desportivo prateado, que viera com uma cadeirinha para bebé embutida. Certo, Jack podia ter exagerado um pouco ao comprar aquela coisa. Mas talvez, daí a nove meses, fosse perfeita. O carro ideal para uma futura mãe dos subúrbios.

Ela ajustou o retrovisor para dar uma olhadela ao banco traseiro. Por enquanto, era um amontoado de papéis de esboço, uma mala da Dick Blick Art Materials e, por muito incrível que parecesse, um aparelho de faxe, que era praticamente um dinossauro. Jack pensava que ela devia deixá-lo ter uma morte natural. Ela preferia levá-lo a uma loja para ser arranjado. Fora o primeiro equipamento que comprara com o que ganhava como artista e queria guardá-lo, apesar de ninguém lhe mandar faxes. Afinal de contas, ela era dona de uma carreira. Não uma muito bem-sucedida, pelo menos, não ainda. Agora que Jack se livrara do cancro, tencionava concentrar-se na carreira, expandindo a sua distribuição. As pessoas pensavam que era simples desenhar uma tira de banda desenhada seis dias por semana. Algumas pensavam que ela conseguia desenhar para um mês inteiro num dia e, depois, ficar de folga durante o resto do tempo. Não sabiam como era difícil e desgastante vender o seu próprio trabalho, especialmente no início da carreira.

Quando o carro dela emergiu do estacionamento, o pior do clima de Chicago açoitou o para-brisas. A cidade tinha a sua própria versão peculiar de água lamacenta que parecia lançar-se do lago Michigan, sujando veículos, molhando pedestres e fazendo-os correr para se abrigar. Sarah nunca se habituaria àquele clima, não importava quanto tempo morasse ali. Quando chegou à cidade pela primeira vez, uma novata deslumbrada de uma vila minúscula do norte da Califórnia, pensara ter encontrado a tempestade do século. Não sabia que aquilo era normal para Chicago.

– Ilinóis – dissera a mãe dela, quando Sarah recebera uma oferta de matrícula na primavera do último ano dela no liceu. – Porquê?

– A Universidade de Chicago é lá – explicara Sarah.

– Temos as melhores faculdades do país aqui no nosso quintal – queixara-se a mãe dela. – Cal, Stanford, Pomona, Cal Poly…

Sarah mantivera-se firme. Queria ir para a Universidade de Chicago. Não se importava com a distância, nem com o tempo horroroso, nem com a paisagem entediante. Nicole Hollander, a sua cartoonista favorita, estudara lá. Era o lugar ao qual Sarah sentia que pertencia, pelo menos, durante quatro anos.

Contudo, nunca se imaginara a morar lá pelo resto da vida. Não parava de esperar pelo momento em que começaria a gostar de lá estar. A cidade era feia e tempestuosa, despretensiosa e perigosa em alguns lugares, expansiva e generosa noutros. Ótima comida em qualquer lugar. Fora avassalador. Até o caráter amistoso dos moradores de Chicago fora algo que a confundira. Como era possível saber quem eram os amigos verdadeiros?

Ela sempre planeara ir-se embora quando se formasse. Não imaginara ter uma família ali. Mas a vida era assim. Cheia de surpresas.

Jack Daly também fora uma surpresa. O sorriso deslumbrante e encanto irresistível, a velocidade com que Sarah se apaixonara por ele… Ele era de Chicago, um empreendedor no negócio da família. O mundo inteiro dele estava ali: a família, os amigos e o trabalho. Não havia dúvidas de onde Sarah e Jack morariam depois de se casarem.

A própria cidade fazia parte do corpo e da alma de Jack. Apesar de a maioria das pessoas pensar que a vida era um banquete móvel, Jack não conseguia conceber viver em nenhum outro lugar senão na Cidade dos Ventos. Há muito tempo, no meio de um inverno brutal, quando Sarah não vira o sol nem sentira uma temperatura acima de congelante durante semanas, sugerira que se mudassem para algum lugar um pouco mais temperado. Ele pensara que ela estava a brincar e nunca mais tinham falado do assunto.

– Vou construir a casa dos teus sonhos para ti – prometera Jack, quando tinham ficado noivos. – Vais aprender a amar a cidade, vais ver.

Amava-o. Contudo, o júri ainda estava indeciso em relação a Chicago.

O cancro dele… Aquilo também fora uma surpresa. Tinham-no superado, obrigava-se a recordar todos os dias. Mas a doença fizera-os mudar.

A própria Chicago era uma cidade de mudança. Ardera em 1871. Famílias tinham sido separadas pela tempestade de fogo aumentada pelo vento, que não deixara nada senão madeira chamuscada e cinzas no seu caminho. Pessoas arrancadas dos seus entes queridos deixavam cartas e lembranças desesperadas por todo o lado, determinadas a encontrar o caminho que as levassem umas às outras.

Sarah imaginava Jack e ela própria a andar cuidadosamente entre as ruínas fumegantes enquanto tentavam reencontrar-se. Eram refugiados de outro tipo de desastre. Sobreviventes do cancro.

O pneu da frente afundou num buraco. O solavanco causou uma erupção de água lamacenta no para-brisas e ela ouviu um barulho terrível no banco de trás. Um olhar rápido no espelho revelou que o aparelho de faxe caíra para o chão.

– Lindo – resmungou. – Simplesmente maravilhoso – ligou o limpa-para-brisas, mas mal tinha água. A luz de aviso piscou.

O trânsito arrastava-se num fluxo deprimente rumo ao norte. Presa no mesmo semáforo pela terceira vez, Sarah bateu no volante com os punhos.

– Eu não preciso de ficar parada no trânsito – queixou-se. – Sou a minha própria patroa. Talvez até esteja grávida.

Questionou-se o que Shirl faria naquela situação. Shirl era o alter ego de Sarah na sua tira de banda desenhada, Apenas Respire. Uma versão mais afiada, mais confiante, mais fina da sua criadora, Shirl era audaciosa; tinha uma atitude «vai para o inferno» e uma natureza impulsiva.

– O que faria Shirl? – perguntou Sarah, em voz alta. A resposta chegou num instante: comer piza.

A ideia trouxe-lhe um desejo tão grande que se riu. Um desejo. Talvez já estivesse a exibir sinais de gravidez.

Fez a curva numa rua lateral e escreveu «piza» no seu GPS. A apenas seis quarteirões de distância havia um lugar chamado Luigi’s. Parecia promissor. E tinha uma aparência promissora, viu, quando encostou à frente do lugar alguns minutos depois. Havia uma placa de néon vermelho que dizia «Aberto Até à Meia-Noite» e outra placa que prometia «A melhor piza de massa grossa de Chicago desde 1968».

Ao pôr o capuz do casaco e correr para a entrada, Sarah teve uma ideia brilhante. Levaria a piza para dividir com Jack. A reunião dele já devia ter acabado àquela altura e ele estaria cheio de fome.

Olhou para o jovem atrás do balcão, radiante. O nome Donnie estava bordado no bolso da camisa. Parecia um rapaz simpático. Educado, um pouco tímido e atraente.

– A coisa está bem feia lá fora – comentou Donnie.

– A quem o diz… – concordou. – O trânsito estava um pesadelo. Foi por isso que me desviei do caminho e vim parar aqui.

– O que posso trazer para si?

– Uma piza de massa fina para levar – pediu. – Grande. E um refrigerante com gelo extra e… – parou, pensando no gosto de um refrigerante gelado e doce. Ou talvez o de uma cerveja ou de uma margarita. Mas resistiu à tentação. De acordo com todos os livros de conselhos sobre fertilidade que lera, deveria manter o corpo livre de cafeína e álcool. Para muitas mulheres, o álcool era, com frequência, um fator-chave na conceção, não uma substância proibida. Engravidar era muito mais divertido para pessoas que não liam livros de aconselhamento.

– Senhora? – chamou-a o rapaz.

O «senhora» fê-la sentir-se velha.

– Só o refrigerante – pediu. Naquele minuto exato, um espermatozoide podia estar a transformar-se num amontoado de células dentro dela. Dar-lhe uma dose de cafeína era uma má ideia.

– Sabor? – perguntou o jovem.

– Calabresa – declarou automaticamente –, e pimenta – olhou para o cardápio. Azeitonas pretas, alcachofra, pesto. Ela adorava aquelas coberturas, mas Jack não as suportava. – Só isso.

– É para já – o rapaz espalhou farinha nas mãos e começou a trabalhar.

Sarah sentiu uma leve pontada de arrependimento. Devia ter posto azeitonas pretas em metade da piza. Mas não. Especialmente durante o tratamento, Jack tornara-se extremamente seletivo com a comida e só ver determinadas comidas fazia-o perder o apetite. Uma parte muito importante do tratamento do cancro era fazê-lo comer, então, aprendera a agradar ao apetite dele até ter praticamente esquecido as próprias preferências.

«Já não está doente», recordou-se. «Pede as malditas azeitonas.»

Porém, ela não pediu. O que ninguém lhe dizia a respeito de um ente querido ter cancro era que a doença não acontecia apenas a uma pessoa. Acontecia a todos à volta dela. Tirava o sono da mãe, mandava o pai para o bar mais próximo todas as noites, fazia os irmãos apanharem um voo de onde quer que estivessem. O que fazia com a esposa… Ela nunca se permitia pensar muito naquilo.

A doença de Jack parara tudo para ela. Suspendera a carreira, deixara de lado os planos de pintar a sala de estar e plantar no jardim e esmorecera o desejo dela por um filho. Tudo isso ficara de lado e ela deixara-o lá de bom grado. Com Jack a lutar pela vida, negociara com Deus: «Vou ser perfeita. Nunca vou ficar com raiva. Não vou sentir a falta da nossa antiga vida sexual. Nunca vou reclamar. Não vou desejar azeitonas pretas na minha piza, se ele melhorar.»

Ela cumprira a sua parte do acordo. Não reclamara, fora comedida e totalmente dedicada. Não criara problemas a respeito da vida sexual deles ou da falta de uma. Não comera uma única azeitona. E abracadabra: os tratamentos de Jack tinham acabado e os exames não tinham indicado mais nada.

Eles tinham chorado, rido e comemorado e, depois, tinham acordado no dia seguinte sem saber como ser um casal. Quando ele estava doente, tinham sido soldados na batalha, parceiros de guerra a lutar para chegar à segurança. Quando o pior ficara para trás, não tinham sabido ao certo o que fazer depois. Depois de sobreviver ao cancro… e ela não se iludia, ambos tinham sobrevivido à doença… como se começava a ser normal outra vez?

Um ano e meio depois, pensou Sarah, ainda não sabiam ao certo. Ela pintara a casa e plantara no jardim. Arregaçara as mangas e mergulhara no trabalho. E tinham voltado a tentar ter o bebé que tinham prometido um ao outro há tanto tempo.

Mesmo assim, era um mundo diferente para eles. Talvez fosse só a imaginação dela, mas Sarah sentia uma nova distância entre eles. Quando estava doente, Jack tivera dias em que era quase inteiramente dependente dela. Agora que estava bem, provavelmente, era natural que reafirmasse a sua independência. Era o dever dela permitir isso, morder a língua em vez de dizer que sentia a falta dele, do toque dele, da afeição e da intimidade que tinham compartilhado no passado.

Quando o cheiro da piza encheu o restaurante, verificou as mensagens no telemóvel e não encontrou nenhuma. Depois, tentou ligar a Jack, mas recebeu a gravação de «fora da área de serviço», o que significava que ele ainda estava na obra. Guardou o telemóvel e folheou uma cópia gasta do Chicago Tribune que estava numa das mesas. Na verdade, não folheou. Foi direta à secção de banda desenhada para visitar Apenas Respire. Lá estava ela, no mesmo sítio do costume, no terço inferior da página.

E lá estava a assinatura dela, inclinada ao longo da borda inferior do último painel: Sarah Moon.

«Tenho o melhor emprego do mundo», pensou. O episódio do dia era outra visita à clínica de fertilidade. Jack estava a odiar aquela trama. Não suportava quando ela usava material da vida real para alimentar a banda desenhada. Sarah não conseguia evitá-lo. Shirl tinha vida própria e habitava um mundo que, às vezes, parecia mais real do que a própria Chicago. Quando Shirl começara a procurar inseminação artificial, dois dos jornais tinham considerado a trama demasiado tensa e tinham-na abandonado. Mas outros quatro tinham-se inscrito para a publicar.

– Não acredito que aches isto engraçado – reclamara Jack.

– A questão não é ser engraçado – explicara. – É ser real. Algumas pessoas podem achar isto engraçado – além do mais, garantira-lhe, publicava usando o seu nome de solteira. A maioria das pessoas não sabia que Sarah Moon era a esposa de Jack Daly.

Tentava pensar numa trama que ele adorasse. Talvez desse um marido a Shirl, Richie, com peitorais maiores. Uma grande casa em Las Vegas. Uma lancha sexy. Uma ereção.

Aquilo nunca serviria para os editores dela, mas podia sonhar. Pensando nas possibilidades, virou-se para a janela. O vidro manchado pela chuva emoldurava o horizonte de Chicago. Se Monet tivesse pintado arranha-céus, ter-se-iam parecido com aquilo.

– Refrigerante normal ou de dieta? – Donnie interrompeu os pensamentos dela.

– Ah, normal – pediu. Jack precisava das calorias. Ainda estava a recuperar o peso que perdera durante a doença. Que ideia, pensou. Comer para engordar. Não fazia isso desde que a mãe a habituara quando era criança. Pessoas que comiam tudo o que queriam e continuavam magras iriam para o inferno. Ela sabia disso porque, por enquanto, estavam no paraíso.

– A piza já vai sair – informou o rapaz.

– Obrigada.

Quando ele falou, Sarah analisou-o. Devia ter cerca de dezasseis anos, com aquele aspeto desengonçado e cativante que os adolescentes do sexo masculino possuíam. O telefone da parede tocou e ela percebeu que a chamada era pessoal e de uma rapariga. Ele baixou a cabeça e corou ao baixar o tom de voz e dizer:

– Estou ocupado agora. Ligo-te daqui a pouco. Sim. Eu também.

De volta à mesa de trabalho, dobrou caixas de papelão e cantou ao som do rádio. Sarah não conseguia lembrar-se da última vez em que experimentara aquela felicidade que fazia alguém flutuar pelo dia e sorrir para tudo. Talvez fosse em função da idade ou do estado civil. Talvez não fosse para adultos crescidos e casados. Mas, bolas, sentia a falta daquela sensação.

A mão dela foi furtivamente até à barriga. Um dia, talvez tivesse um filho como Donnie. Sincero e trabalhador, um rapaz que, provavelmente, deixava as meias sujas no chão, mas as apanhava com ânimo suficiente quando lhe chamavam a atenção.

Ela acrescentou uma gorjeta generosa ao jarro de vidro do balcão.

– Muito obrigado – agradeceu Donnie.

– De nada.

– Volte sempre – acrescentou.

Segurando a caixa da piza num dos braços, com a bebida no suporte equilibrada por cima, saiu para o clima selvagem.

Em poucos minutos, o Lexus cheirava a piza e as janelas estavam embaciadas. Ligou o aquecedor e seguiu rumo ao oeste, atravessando distritos encantadores e cidadezinhas que rodeavam a cidade. Olhou de relance para o refrigerante que pedira para Jack e sentiu outro desejo, mas conteve-o.

Vinte minutos depois, saiu da estrada estadual e seguiu para o subúrbio onde Jack estava a desenvolver uma comunidade de casas de luxo. Reduziu a velocidade ao passar pelos portões que, um dia, seriam operados apenas por cartões. A placa de bom gosto na entrada dizia tudo: Shamrock Downs. Uma comunidade equestre particular.

Era ali que milionários iriam morar com os seus cavalos mimados. A empresa de Jack planeara o lugar até ao último detalhe, sem poupar despesas. A subdivisão abrangia dezasseis hectares de terreno de pasto da máxima qualidade, um lago e um picadeiro de treino coberto, iluminado e delineado por bancadas. Os cavalos puro-sangue e de sangue quente residentes ocupariam um celeiro ultramoderno com quarenta boxes individuais. Caminhos de cavalgada serpenteavam através da vizinhança arborizada, com as superfícies pavimentadas com areia para reduzir o impacto nos cascos dos cavalos.

À luz fraca do fim da tarde, ela viu que as equipas de trabalho já se tinham ido embora, afugentadas pela chuva. Havia um Subaru Forester estacionado no celeiro, mas ninguém à vista. O trailer do chefe da obra também parecia abandonado. Talvez não tivesse chegado a tempo de encontrar Jack e ele já estivesse a caminho de casa. Talvez tivesse tido um ataque de consciência e tivesse deixado a reunião mais cedo para se encontrar com ela na clínica, mas ficara preso no trânsito. Não havia mensagens no telemóvel dela, mas isso não significava nada. Ela detestava telemóveis. Nunca funcionavam quando se precisava deles e tinham uma tendência a tocar quando se queria paz e tranquilidade.

As casas inacabadas pareciam assustadoras, com as madeiras esqueléticas pretas contra o céu encharcado pela chuva. Os equipamentos estavam estacionados, como brinquedos gigantes abandonados às pressas numa caixa de areia molhada. Caixotes cheios até metade pontilhavam a paisagem árida. As pessoas que se mudassem para aquele lugar nunca imaginariam que começara por parecer uma zona de batalha. Mas Jack era mágico. Podia começar com uma planície estéril ou uma lixeira recuperada e transformá-lo num paraíso. Quando chegasse a primavera, já teria transformado aquele lugar numa utopia perfeita e bucólica, com crianças a brincar nos jardins, potros a saltitar nos estábulos, mulheres de rabos de cavalo, sem maquilhagem e com roupa de montar apertada a caminho do celeiro.

A escuridão aprofundava com cada minuto. A piza depressa esfriaria.

Então, viu o carro de Jack. O GTO modificado era a máquina potente máxima, apesar de, legalmente, lhe pertencer a ela. Quando ele estava doente, comprara-o para o animar. Usando as suas economias da banda desenhada, conseguira guardar o suficiente para um presente extravagante. Gastar as economias da vida dela num carro fora um ato de desespero. No entanto, estivera disposta a dar qualquer coisa, a sacrificar qualquer coisa para fazer com que ele se sentisse melhor. Só desejava que pudesse gastar até ao seu último cêntimo para comprar a saúde dele.

Agora que ele estava bem, o carro era o bem mais precioso dele. Só o conduzia em ocasiões especiais. A reunião com o cliente devia ter sido importante.

O carro preto e vermelho estava parado como uma fera exótica na entrada de uma das casas-modelo. No seu estado quase finalizado, fazia pensar num alojamento de caça. Tudo o que Jack construía era maior do que precisava de ser: alpendre em torno da casa, entrada, garagem para quatro carros, fonte. O quintal ainda era um poço de lama, com grandes buracos escavados para as árvores já crescidas que seriam instaladas. «Instaladas» era a palavra de Jack. Sarah teria dito «plantadas». As árvores tinham uma aparência patética, como vítimas caídas, jazendo prostradas de lado com as raízes esféricas enclausuradas.

Chovia mais do que nunca quando ela estacionou e desligou os faróis e o motor. Uma lâmpada a gás num poste iluminava fracamente uma placa escrita a mão: «Rua dos Sonhos». Havia pelo menos duas lareiras a gás feitas de pedras de rio no campo de visão dela e uma parecia estar a funcionar, o que era evidenciado por um reluzir dourado profundo que tremeluzia nas janelas do andar de cima.

Equilibrando o refrigerante na caixa da piza, carregou no botão para abrir o guarda-chuva e saiu. Uma rajada de vento puxou o guarda-chuva, virando-o do avesso. Uma chuva gélida bateu no rosto dela e deslizou para dentro da gola.

– Detesto este tempo – queixou-se, por entre os dentes cerrados. – Detesto, detesto, detesto.

Riachos de água do quintal não plantado corriam pela rampa da entrada e redemoinhavam em poças lamacentas. Os tubos do sistema de aspersores que ainda não funcionavam eram uma bagunça emaranhada. Não havia lugar por onde andar sem que os pés ficassem encharcados.

«Já chega», pensou. «Vou obrigar Jack a levar-me a casa, na Califórnia, de férias.» A sua cidade natal de Glenmuir, no condado de Marin, nunca fora o lugar favorito dele. Ele preferia as praias de areias brancas da Florida, mas Sarah estava a começar a sentir que era a vez dela de escolher o destino deles.

O último ano e meio fora todo em função de Jack, das suas necessidades, da sua recuperação, dos seus desejos. Agora que a provação ficara para trás, permitia que as suas próprias necessidades chegassem até à superfície. Parecia um pouco egoísta, mas, ao mesmo tempo, muito bom. Ela queria férias longe da Chicago encharcada. Queria saborear cada dia sem preocupações, algo que não podia fazer há muito tempo.

Uma viagem a Glenmuir não era pedir muito. Ela sabia que Jack hesitaria. Dizia sempre que não havia nada para se fazer na vila sonolenta. Lutando na tempestade selvagem, decidiu fazer alguma coisa.

Nenhuma tranca fora instalada nas portas já fixadas da casa inacabada.

Sorriu ao abrir a porta da frente com um empurrão e suspirou de alívio. O que poderia ser mais aconchegante do que sentar-se à frente do fogo numa tarde chuvosa, a comer piza? Possivelmente, aquela casa era o único lugar quente e seco no bairro.

– Sou eu – chamou, tirando as botas para não enlamear o chão de madeira recentemente acabado. Não houve resposta, apenas o som fraco de um rádio a tocar em algum lugar do segundo andar.

Sarah sentiu uma pontada de desconforto na barriga. Cãibras eram um efeito colateral da inseminação intrauterina e Sarah não se importava. O facto de existir dor dava uma sensação adequada de solenidade à missão dela. Era um lembrete físico da sua determinação de começar uma família.

Balançando-se para espalhar os pingos de chuva, aproximou-se da escada. Nunca estivera lá, mas conhecia o projeto da casa. Apesar de não ser óbvio para a maioria das pessoas, Jack trabalhava com apenas algumas plantas. A não ser pelo tamanho imenso e pelos materiais de luxo, construía o que chamava sem constrangimento de «mansões moduladas». Uma vez, perguntara-lhe se ele ficava entediado por construir essencialmente a mesma casa vezes sem fim. Ele rira-se com a pergunta.

– O que há de entediante em ganhar um belo milhão numa casa imensa? – perguntara.

Ele gostava de ganhar dinheiro. Era bom nisso. E ela era sortuda, porque, até então, ela própria fora péssima nisso. Todos os anos, quando enviavam as suas declarações de impostos de renda, ele olhava para os rendimentos da banda desenhada dela, esboçava um sorriso generoso e brincava:

– Sempre quis ser um patrono das artes.

No topo da escada, virou-se em direção do som do rádio, com a gabardina a tocar no corrimão artificialmente retorcido. Estava a tocar Achy Breaky Heart e ela fez uma careta. Jack tinha um gosto terrível para música. Na verdade, era tão mau que chegava a ser cativante.

A porta da suíte principal estava entreaberta e o brilho amistoso do fogo reluzia no chão recentemente acarpetado. Ela hesitou, pressentindo… algo.

Um aviso, batendo como uma pulsação extra nos ouvidos dela.

Entrou no quarto, com os pés afundados na carpete macia, enquanto os seus olhos se ajustavam à luz dourada suave. O brilho difuso e bondoso da lenha para lareiras a gás Briarwood, com garantia ilimitada, tremeluzia sobre dois corpos nus entrelaçados numa cama de cobertores grossos de lã espalhados à frente da lareira.

Sarah experimentou um momento de completa e total confusão. A sua visão ficou enevoada e sentiu-se tonta e com náuseas. Havia algum engano ali. Entrara na casa errada. Na vida errada. Lutou contra os pensamentos aleatórios de pânico que embargavam a sua mente. Por um segundo ou dois, simplesmente ficou imóvel, em choque, esquecendo-se de respirar.

Depois de segundos infindáveis, aperceberam-se dela e sentaram-se, juntando cobertores para se cobrir. A canção no rádio mudou para algo igualmente assustador: Butterfly Kisses.

Mimi Lightfoot, percebeu Sarah, era exatamente como Jack a descrevera: o tipo equino, pele seca e sem maquilhagem e cabelo preso num rabo de cavalo. Mas com seios maiores.

Finalmente, Sarah encontrou a voz e disse o único pensamento coerente na sua cabeça:

– Trouxe piza para ti. E um refrigerante. Com gelo extra, tal como tu gostas.

Não atirou a piza, nem entornou a bebida. Pôs tudo cuidadosamente ao lado do rádio. Foi discreta e eficiente como um empregado de serviço de quartos.

Então, virou-se e foi-se embora.

– Sarah, espera!

Ouviu Jack a chamar o seu nome ao deslizar escada abaixo com a velocidade e a leveza da Cinderela ao badalar da meia-noite. Enfiar os pés nas botas mal desacelerou o seu passo. Em segundos, estava do lado de fora com o guarda-chuva partido, indo em direção ao carro.

Ligou o motor no momento em que Jack saiu às pressas. Usava as suas melhores calças, as que tinham os vincos que ela admirara naquela manhã, e mais nada. Conseguiu ver a boca dele a trabalhar, a formar o seu nome: Sarah. Ligou as luzes e deu a volta ao carro, sentindo um ruído gratificante quando o para-choque traseiro do Lexus derrubou a caixa de correio personalizada feita de pedras de rio. Os faróis dela iluminaram a frente da casa, mostrando as madeiras do alpendre e os parapeitos de madeira das janelas, o vidro Andersen e a entrada principal imponente.

Por um instante, Jack pareceu preso pelo brilho, um veado congelado pelos faróis.

«O que faria Shirl?», questionou-se Sarah. Agarrou o volante, pôs a mudança e carregou a fundo no acelerador.

Parte Dois

 

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