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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2007 Barbara Einstein

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Coração acorrentado, n.º 1182 - Dezembro 2014

Título original: The Farmer Takes a Wife

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2009

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Julia e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5903-6

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Epílogo

Volta

Capítulo 1

 

Uma cidade salva-se tanto pelos seus homens dignos como pelos bosques e pântanos que a rodeiam.

Henry David Thoreau, 1862

 

Com os limpa pára-brisas a funcionar a toda a velocidade, Maggie tentou não se deixar levar pelo medo ao mesmo tempo que aproximava a carrinha da berma para se ajustar àquele caminho estreito de montanha. Praguejando com palavras que nem sequer sabia que conhecia, prometeu que aquela viagem seria a última. Começava a envelhecer e tinha de se deixar de tolices, que o fizessem os médicos mais jovens. Uma viagem sob a chuva intensa pelas montanhas de New Hampshire não era a ideia que ela tinha de diversão. Como médica da Clínica Móvel de Nova Inglaterra, há muito tempo que Maggie aceitara que perder-se na estrada fazia parte do seu trabalho e costumava aceitá-lo como uma aventura. Mas tais aventuras costumavam ter lugar em Massachusetts, onde vivia. Dessa vez, oferecera-se para atender um caso em New Hampshire só para fazer um favor a um colega que estava doente. Isso não significava que as últimas duas semanas não tivessem sido maravilhosas, pois não demorara nada a apaixonar-se por New Hampshire, pelas suas montanhas brancas e por todas aquelas pessoas magníficas que lhe tinham aberto as portas das suas casas e dos seus corações. Mas, naquele momento, constipada e com febre, não estava de humor para entrar noutra estrada rural. Perdida nas montanhas no meio da tempestade, sem rede no telemóvel, com o recipiente térmico de café vazio e o depósito de combustível muito perto de acabar, o que menos a preocupava era o facto de não ser capaz de parar de praguejar.

Certamente, aprenderia uma boa lição. A partir daquele momento, prestaria mais atenção às previsões meteorológicas, coisa que teria feito se não estivesse tão ansiosa por voltar para casa e curar aquela constipação. Tivera tanta vontade de se deitar na cama que se esquecera por completo da sensatez. Para cúmulo, cada vez espirrava mais e cada vez havia menos lenços de papel. Além disso, não tinha nenhum comprimido para a constipação na mala… Que bela médica! Como desejava ter feito caso ao seu instinto e ter dado a volta naquela mudança de sentido que vira há sete quilómetros. Por outro lado, se não encontrasse uma bomba de gasolina depressa, não poderia continuar. Certamente, podia sair da estrada e dormir na carrinha até alguém a encontrar. Sem dúvida, haveria carros de polícia a vigiar a estrada. Certamente, precisava de um bonito agente para a ajudar.

Não, um agente e uma chávena de chá quente.

Ainda que, na situação em que estava, também pudesse prescindir do agente.

Estava a lutar contra uma enxaqueca incipiente quando a sua sorte mudou finalmente. Tentou focar a vista porque tinha a certeza de ter visto alguma coisa. Sim! Quase não conseguia ver-se com a chuva que estava a cair, mas sim, havia uma placa escondida entre os ramos de uma árvore. Tinham-lhe caído algumas letras, mas era a promessa de algum tipo de civilização. Maggie rezou para que aquela placa anunciasse Bloomville, como o seu mapa indicava.

 

Pr m s

Hab. 350

5 k s

 

«Promessa?» O que estava claro era que não dizia Bloomville. Era uma pena não conhecer melhor New Hampshire.

«Trezentos e cinquenta habitantes? Que pequeno».

Cinco quilómetros. Seriam cinco quilómetros ou cinquenta? Com o olhar fixo no indicador do nível de combustível, rezou para que fossem cinco.

Dez minutos depois, conseguiu vislumbrar a estação de serviço através da chuva e seguiu o desvio com um alívio profundo. O último trovão assustara-a tanto que nem sequer se importava que a bomba de gasolina não funcionasse, desde que houvesse algum ser humano com quem falar. Inclinou-se sobre o volante para ver melhor e teve de pestanejar várias vezes para lutar contra a sensação de irrealidade que projectava o que tinha à frente dos seus olhos. Aquele lugar estava escuro e desolado, o que não dava demasiadas esperanças de poder beber um chá. Só esperava que aquele velho cartaz de «aberto» que pendia da porta não mentisse porque, certamente, a escuridão que havia por trás da montra não convidava a entrar. A única coisa que sabia era que, tivesse o aspecto que tivesse, Maggie tinha intenção de parar. Assim, agarrou na sua mala e saiu da carrinha no meio da tempestade.

– Olá? – chamou, batendo à porta. – Está aí alguém? – insistiu, com fé.

Não a surpreendeu que ninguém respondesse, mas também não se deu por vencida. Maggie virou a maçaneta e verificou, com alívio, que a porta se abria. Talvez o cartaz não mentisse, embora o cheiro a fechado que a recebeu parecesse anunciar que aquele lugar estava em completo desuso. Teve muito cuidado para não se afastar da porta até ter a certeza de que não corria perigo. Mesmo a vários metros de distância, conseguia ver que as estantes em que se expunha a exígua quantidade de produtos estavam cobertas de pó. Num dos cantos do local, havia um caixote de lixo repleto de latas de refrigerantes que pareciam ter-se acumulado ali durante anos. Maggie sentiu raiva ao ver tão pouca higiene, coisa que a incomodava mais do que o perigo que podia correr ali. Atreveu-se a carregar num interruptor que encontrou por perto e agradeceu que funcionasse e que, pelo menos, desse um pouco de luz ao lugar.

– Está aí alguém? – repetiu. Tinha de haver alguém.

Por curiosidade, viu o prazo de validade de um pacote de amendoins que havia na primeira estante e descobriu que o ranger do plástico era mais efectivo do que os seus gritos.

– Suponho que terá intenção de pagar isso.

Maggie virou-se, de repente, e encontrou-se cara a cara com uma mulher mais velha e robusta que parecia ter saído de trás de uma cortina que noutro tempo devia ter sido de veludo. O seu cabelo grisalho estava preso numa trança enrolada no topo da cabeça, os seus olhos pareciam duas pedras castanhas que se realçavam sobre um rosto pálido que parecia não sentir ar fresco há meses.

– Olá! – cumprimentou Maggie, esboçando um sorriso. – Passava por aqui e parei para pôr gasolina. Bom, passar por aqui é um eufemismo. Acho que me perdi.

– Acha? – perguntou a mulher, num tom brincalhão.

Maggie desatou a rir-se.

– Na verdade, tenho quase a certeza. Dirijo-me para Boston, mas acho que segui um caminho errado. Com esta chuva… Alegrei-me tanto por ver este sítio… Procurava uma vila chamada Bloomville com a intenção de passar lá a noite, mas isto não é Bloomville, pois não? – perguntou, olhando à sua volta. – Acho que há um instante passei por uma placa que dizia «Promessa», mas não tenho a certeza. Não conheço bem New Hampshire.

– É Primrose – corrigiu a mulher. – Nada de promessas.

Não estava a ser exactamente hostil, tentou dizer-se Maggie, enquanto via a mulher a aproximar-se do balcão com a ajuda de uma bengala em que se apoiava para andar. Não conseguia esconder a dor que sentia e, como médica, Maggie não conseguiu evitar fixar-se nisso, mas sabia que não devia dizer nada.

– Queria pôr gasolina. Apitei, mas ninguém apareceu.

– Diz «self-service», portanto talvez seja por isso que não apareceu ninguém – respondeu a mulher, secamente. – Estas velhas pernas deixaram de pôr gasolina há já muito tempo. Só tenho gasolina normal, vendi o pouco que restava da sem chumbo na semana passada. Mas dado que não há nenhuma outra bomba de gasolina neste lado da montanha, suponho que não se importará.

– Claro que não – respondeu Maggie, sem se deixar acovardar devido ao mau feitio da mulher. – Suponho que é a dona da bomba de gasolina, engano-me?

– Porque haveria de estar aqui se não fosse? – perguntou, ao mesmo tempo que apoiava um pé num banco.

Apesar de ter as pernas tapadas, quase ligadas, com umas meias grossas, Maggie conseguiu ver pelo canto do olho que tinha os tornozelos muito inchados. Devia doer-lhe muito, mas não achava que fosse receber a sua compreensão de boa vontade, a julgar pelo brilho orgulhoso do seu olhar.

– Então, se não se importar, vou encher o depósito.

– Não me importo. E não me esquecerei de incluir o preço desses amendoins na conta.

«De certeza que não», pensou Maggie, pondo o pacote de amendoins no bolso. Saiu para a chuva, tentando proteger-se sob o capuz da camisola que vestia, mas era insuficiente. Se não se secasse depressa, no dia seguinte, acordaria com uma pneumonia e só se tivesse a sorte de encontrar uma cama.

Enquanto enchia o depósito com a chuva a cair sobre os seus ombros, Maggie teve a sensação de que a mulher observava cada um dos seus movimentos do interior, embora não conseguisse ver muito através daqueles vidros tão sujos. Voltou para a loja e procurou um lenço de papel na mala para poder secar-se um pouco pelo menos, pois estava completamente encharcada.

– O ambiente está um pouco húmido, não lhe parece? – brincou Maggie e, depois, continuou a falar, apesar da falta de resposta por parte da mulher. – Sabe? Acho que preciso tanto de uma refeição quente como precisava de gasolina. Agradecer-lhe-ia muito se me dissesse onde fica o restaurante mais próximo.

A senhora não fez caso da pergunta, nos seus olhos havia um claro ar de desaprovação.

– Vejo que tem uma carrinha do Serviço Médico de Nova Inglaterra.

– Sim… é verdade. Surpreende-me que tenha conseguido ler o letreiro com a chuva.

– Ainda não perdi a vista, menina.

Bom, continuaria a tentar.

– É utente do dito serviço? – perguntou Maggie, com amabilidade.

– Supostamente, estamos incluídos no circuito de Bloomville – replicou a mulher. – Bloomville fica do outro lado da montanha, portanto suponho que não nos vêem entre as árvores – acrescentou, num tom mordaz.

Maggie esteve prestes a desatar a rir-se, mas controlou-se. Aquela mulher tinha mau feitio, mas parecia ter também um certo sentido de humor.

– Tenho a impressão de que usa o Serviço Médico Móvel.

– Sim, quando se dignam a aparecer.

Maggie franziu o sobrolho ao ouvir a acusação implícita naquelas palavras.

– Quer dizer que alguma vez faltaram a uma consulta marcada?

– É exactamente isso que quero dizer! Deviam ter vindo em Abril, mas aqui não apareceu ninguém.

Agora compreendia o seu mau humor e estava claro que ia fazê-la pagar por algum dos seus colegas não ter aparecido.

– A verdade é que não saberia dizer-lhe porque não apareceu a carrinha. A minha rota habitual não sai de Massachusetts. Este mês estou em New Hampshire para fazer um favor a um amigo. Telefonou para lhe explicarem o que se passou?

– Claro que telefonei, mas limitaram-se a enrolar-me, como de costume. Ninguém sabia de nada, mas disseram-me que o descobririam… Mentiras…

Maggie estava confusa.

– Normalmente, são muito eficientes com esse tipo de reclamações. O que acha se fizer algumas chamadas… quando recuperar? Parece-me que tenho uma boa constipação.

Se a mulher não reparara até então, teve de o fazer quando Maggie começou a espirrar e não teve outro remédio senão dar outro uso aos lenços de papel. Assoou o nariz com força. Embora a mulher não parecesse preocupar-se nada, pois parecia mais interessada na ineficiência do serviço médico do que no bem-estar de Maggie. E, a julgar pelo estado em que tinha os pés, Maggie não a culpava por isso. O problema era que ela também não estava em muito bom estado.

– Ouça – começou a explicar Maggie, num tom de voz neutro, – suponho que me enganei no desvio, talvez mais de uma vez – admitiu, com tristeza, – mas neste momento não tenho outro remédio senão procurar um hotel. Se pudesse dizer-me onde há algum…

– Gasolina… refeição… um quarto – murmurou a mulher. – Não me lembro da última vez que tivemos visitas por aqui.

«Porque será?», perguntou-se Maggie, enquanto forçava um sorriso.

– Isso não me dá muitas esperanças.

– Não – reconheceu a mulher, sem compreensão.

Maggie estava gelada e precisava de um quarto urgentemente e de uma cama seca em que pudesse deitar-se para não se sentir tão desgraçada. Não queria que a entretivessem sem motivo, que era o que aquela mulher parecia estar a fazer, mas também não queria aborrecer a única pessoa que podia dizer-lhe onde havia um hotel, no caso de haver algum. No pior dos casos, talvez pudesse dormir na carrinha, mas, ao olhar pela janela e ver a chuva que estava a cair, percebeu que seria uma tortura. Talvez estivessem em Julho, mas estava a chover imenso e uma carrinha cheia de material seria um lugar muito incómodo… e frio onde dormir. Não seria a primeira vez que dormiria num carro, mas já passara muito tempo. Então, tinha dezassete anos e Tommy Lee proporcionara-lhe calor e… Renunciando à esperança de poder beber um chá quente, Maggie voltou a suplicar:

– Ouça, senhora…

– O meu nome é Louisa Haymaker. Quando me chama «senhora» faz-me sentir velha.

– Senhora Haymaker – corrigiu Maggie, que começava a sentir-se como a Alice no País das Maravilhas, – estou encharcada, cansada e faminta. Não estranharia se tivesse uma pneumonia. Tudo isso quer dizer que não posso conduzir nem mais um quilómetro. Tem de haver algum lugar onde possa alojar-me. Não sei se servirá de alguma coisa, mas… – quando já não sabia o que mais fazer ou dizer, pôs a mão dentro da mala e tirou o estetoscópio, – já mencionei que sou médica?

Finalmente, viu uma ligeira demonstração de interesse no rosto da senhora Haymaker. Maggie agarrou-se a esse gesto e tirou também o seu cartão do hospital de Boston onde trabalhava.

– Ouça, senhora Haymaker, sou a doutora Margaret Tremont. Não me sinto bem e gostaria de voltar para casa, mas como não posso, preciso de um hotel – enquanto respirava fundo, pôs uma nota de vinte dólares sobre o balcão. – Acho que ainda não lhe paguei a gasolina.

Louisa Haymaker agarrou no dinheiro rapidamente e não se incomodou sequer em perguntar-lhe se queria que lhe desse o troco.

– Podia dizer-me o nome do hotel mais próximo? – insistiu. – Assim poderei ir-me embora.

Se a senhora Haymaker tinha intenção de a ajudar, não pôde fazê-lo, porque o barulho da porta as interrompeu. Viraram-se para olhar e viram aparecer um rapaz que fechou a porta com força.

– Louisa, onde estás? Já estamos aqui! – anunciou o rapaz, com uma alegria que fez Maggie sorrir.

Mas não Louisa Haymaker.

– Amos Burnside, quantas vezes te disse para não bateres com a porta? Se essa porta cair e, sem dúvida cairá em breve, quem vai arranjá-la? Olha o que estás a fazer! – gritou, apontando com a bengala para o charco de água que se formara aos pés do rapaz.

O menino baixou o olhar. O boné tapava-lhe o rosto, mas Maggie perguntou-se se ia começar a chorar. Devia ter sete ou oito anos.

– Louisa – respondeu, num tom de voz triste, – não tenho culpa de que esteja a chover.

– Já chega! Olha, temos visitas.

Amos seguiu o olhar de Louisa e, ao ver aquela desconhecida, tirou o boné e deixou à vista um cabelo loiro como o milho.

– Quem é? – perguntou-lhe, observando-a com os olhos cheios de surpresa.

Maggie também estava surpreendida com a beleza etérea do rapaz e perguntava-se quem seria o responsável por aquele anjo que precisava de um corte de cabelo urgentemente.

– O meu nome é Margaret Tremont – apresentou-se, entre espirros violentos que a obrigaram a gastar os seus últimos lenços. – Mas os meus amigos chamam-me Maggie.

– Espirra muito – indicou o rapaz, num tom de voz sério.

– Está doente, não vês? – repreendeu-o Louisa. – Parou para pôr gasolina e diz que é médica.

O sorriso que apareceu no rosto de Amos era uma mistura de alegria e de curiosidade.

– A sério? É uma médica a sério?

– Dou-te a minha palavra – prometeu Maggie.

– Oh! Mal posso esperar para contar ao meu pai. Eu chamo-me Amos Burnside, mas os meus amigos chamam-me Amos – acrescentou, com completa inocência.

– É um prazer conhecer-te, Amos – depois de o dizer, Maggie teve de pigarrear. – Parece-me que estou a ficar sem voz.

– Louisa tem razão, parece que está doente. Se é mesmo médica, porque não se cura?

– Amos, se soubesse como curar uma simples constipação, não só me sentiria melhor, como também seria incrivelmente rica.

– Isso é o que o meu pai diz cada vez que eu apanho uma constipação! Se soubesse como curar uma constipação, seria rico.

– O mais rico do mundo.

– Então, será o que farei quando crescer.

«Ainda bem», pensou Maggie. «E se conseguisses fazê-lo até amanhã, estaria muito agradecida».

Mas Amos já andava por outros roteiros, como as crianças faziam com frequência.

– O que faz aqui, doutora Tremont? Há alguém doente? Quanto tempo vai ficar? É perigoso conduzir nesta estrada, o meu pai diz sempre o mesmo.

– Oh! São muitas perguntas, jovem. Bom, vejamos. Não há ninguém doente por aqui, que eu saiba, excepto eu própria – explicou, rindo-se. – Ia a caminho de casa… vivo em Boston, estava a chover muito e, de repente, encontrei a estação de serviço da senhora Haymaker, o que foi uma sorte porque já quase não tinha gasolina. Embora também gostasse de encontrar uma cama quente onde pudesse deitar-me com um pacote de lenços! Na verdade, há um instante, perguntei à senhora Haymaker onde fica o hotel mais próximo.

Amos virou-se para olhar para Louisa com um ar confuso.

– Louisa, porque não lhe falaste das casinhas? Desculpe, doutora, Louisa não deve ter-se lembrado porque não costumamos receber visitas – Amos sorriu como se aquilo fosse culpa dele. – Certamente, não viu o sinal.

– Parece que há muitos sinais que não vi – respondeu Maggie, olhando para Louisa.

– Louisa é a dona do hotel. Chama-se O Refúgio de Jack, em honra do seu marido, Jack. Embora já não seja seu marido porque está morto, mas continuaria a ser se estivesse vivo. Não é, Louisa?

– Amos Burnside – repreendeu-o Louisa, num tom de voz frio como o gelo, – sabes tão bem como eu que essas casas não estão em condições de albergar ninguém – então, olhou para Maggie e falou com firmeza: – Como está doente, precisa de um lugar melhor onde ficar, um lugar quente onde o telhado não esteja prestes a cair aos pedaços.

– Louisa, o telhado não está prestes a cair! O meu pai arranjou-o na semana passada – recordou-lhe o rapaz. – Não te lembras? Além disso, também não há outro sítio onde possa ficar. Se está realmente frio lá, eu ajudarei a acender a lareira. O meu pai ensinou-me a fazê-lo no fim-de-semana passado quando fomos acampar e…

Se os olhares matassem, Amos teria caído fulminado naquele momento, mas parecia que não havia nada que Louisa pudesse fazer para o calar.

– Será um prazer acender a sua lareira, doutora Tremont – prometeu Amos, com um sorriso sincero.

Maggie teve de morder o lábio para não sorrir também.

– Obrigada, Amos – respondeu correctamente, enquanto se perguntava de que nuvem caíra aquele anjo.

– Bom… – interveio Louisa, sabendo que não tinha alternativa senão deixar que Maggie ficasse, a menos que quisesse fazer uma cena. – Suponho que não haverá problema… só por uma noite.

Maggie não gostou que pusesse um limite tão curto à sua estadia, mas não ia pedir mais nada.

– Obrigada, senhora Haymaker. A ideia de chegar até Bloomville parecia-me muito complicada e a de dormir na carrinha era… uma tortura.

Amos estava impressionado.

– Veio de Bloomville?

– Não, perdi-me à procura da vila – explicou Maggie. – Sabia pelo mapa que não ficava longe, a cerca de setenta quilómetros mais ou menos, mas com tanta chuva, quase não conseguia ver as indicações.

– Eu só estive lá uma vez – admitiu Amos, com tristeza.

– Como é possível? Fica muito perto, mesmo do outro lado da montanha.

– O meu pai vai lá de vez em quando comprar comida e outras coisas ou quando há alguma emergência, mas nunca me deixa ir com ele. Diz que lá não há nada para ver e que em casa temos tudo o que precisamos. Rafe diz que…

– Quem é Rafe? – interrompeu-o Maggie.

– O meu pai. Às vezes, chamo-lhe «pai» e, outras vezes, chamo-lhe «Rafe». Está a tirar as compras de Louisa da carrinha. Rafe diz que as pessoas que saem de casa, às vezes, não encontram o caminho de volta. Como a minha mãe, que se foi embora quando eu era muito pequeno e nunca voltámos a vê-la. Rafe diz…

– Amos! – daquela vez foi Louisa quem o interrompeu, alarmada com a indiscrição do rapaz. – Não acho que…

Mas antes de poder continuar, a porta voltou a abrir-se e entrou um homem encharcado até aos ossos que encheu a loja com um cheiro a folhas e a lã molhada. Era alto e tinha os ombros largos, mas mexia-se com elegância apesar de estar muito carregado.

– Amos – replicou o homem, num tom de voz firme e amável ao mesmo tempo, – desapareceste e pensei que só tinhas de verificar se Louisa estava acordada e, depois, voltar para me ajudares a tirar as compras.

Maggie estava intrigada com aquele tom de voz profundo que, no entanto, era amável. Se Amos Burnside era como um raio de sol, o seu pai, no entanto, era uma espécie de caricatura da beleza, com um rosto curtido, um labirinto de rugas e uma barba de vários dias.

Maggie não conseguia parar de olhar para ele.

O seu cabelo era como uma cortina de seda preta que lhe caía sobre a testa. Os seus olhos eram pretos como o carvão, o seu nariz era forte e recto e o queixo era quadrado. Aquilo dava-lhe um ar sensual e muito masculino. As calças de ganga e as botas sujas de lama eram a prova de que passava muito tempo ao ar livre, mas o mais atraente era a sua altura e o seu porte. Devia medir mais de um metro e noventa e tinha uma presença puramente masculina. Maggie pensou que certamente não haveria lugar que não dominasse imediatamente com a sua presença.

Alguma coisa devia ter revelado a sua presença porque, de repente, Rafe virou-se para ela. Ao vê-la, esbugalhou os olhos e observou-a de cima a baixo com um ar completamente novo, uma expressão de clara irritação que se tornava evidente no modo como franzia o sobrolho. Maggie tentou sorrir, mas não serviu de nada. Ficou imóvel sob aquele olhar penetrante e cheio de raiva… embora também houvesse um certo interesse. Sem dúvida, Adão devia ter olhado assim para Eva ao encontrá-la pela primeira vez.

A primeira impressão de Maggie era que naquele homem não havia rasto de alegria. Os seus ombros estavam demasiado rígidos e algo lhe dizia que envelhecera demasiado depressa. Talvez fosse pela forma como se mexia… devagar… como se lhe custasse muito, não se tratava de estar a controlar-se, talvez fosse simples indiferença. O caso foi que Maggie sentiu que, noutro tempo, naquele rosto houvera beleza e, provavelmente, também alegria. Surpreendeu-a conseguir ver tanto em tão pouco tempo, mas automaticamente pensou que era imaginação dela. Sem dúvida, foi por isso que sentiu falta de ar durante alguns segundos.