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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2011 Abby Green. Todos os direitos reservados.

O CHAMAMENTO DO DESERTO, N.º 1403 - Agosto 2012

Título original: The Call of the Desert

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em portugués em 2012

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ®,Harlequin, logotipo Harlequin e Sabrina são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0606-1

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo 1

 

– O emir de Burquat, Sua Alteza Real, o xeque Kaden bin Rashad al Abbas.

Kaden olhou para o salão do exclusivo Clube Arqueológico de Londres, a abarrotar de gente. Todos estavam a olhar para ele em silêncio, mas isso não o incomodou. Estava habituado a ser o centro das atenções.

Desceu os degraus de mármore, com uma mão no bolso das calças, observando que as pessoas desviavam o olhar. Bom, os homens desviavam o olhar, as mulheres não. Como a bonita empregada que esperava ao fundo da escada e que lhe sorriu, coquete, enquanto lhe oferecia uma taça de champanhe. Mas Kaden não estava interessado, era demasiado jovem para o seu coração cético.

Desde adolescente, soubera que possuía um certo poder sobre as mulheres. No entanto, quando se via ao espelho, perguntava-se se o que sentiam era o desejo de apagar aquela expressão cínica e substituí-la por outra mais amável.

Em tempos, fora mais amável, mas há tanto tempo que já não conseguia recordá-lo. Era como um sonho e, como todos os sonhos, irreal.

Então, algo chamou a sua atenção do outro lado da sala. Uma cabeça loira entre as demais...

«Até agora.»

Recriminou-se por pensar aquilo e sorriu quando o diretor do clube se aproximou para o cumprimentar, agradecendo a distração e perguntando-se porque não era capaz de controlar uma resposta tão arbitrária a algo que não passava de um sonho.

 

 

O coração de Julia Somerton palpitava com tanta força que começava a sentir-se enjoada.

Kaden.

Estava ali.

Tinha desaparecido entre as pessoas depois de descer a escada, mas a imagem dele a aparecer de repente, como um deus de cabelo escuro, ficaria gravada na sua mente para sempre. Era uma imagem que já estava gravada de forma indelével no seu coração. Não conseguia apagá-la, por muito que tentasse ou por muito tempo que passasse.

Continuava a ser tão incrivelmente atraente como no dia em que o conhecera. Alto, de ombros largos, moreno, com o atrativo exótico de um estrangeiro, alguém que provinha de uma zona mais árida, mais inclemente.

Estava demasiado longe para o ver em detalhe, mas inclusive de onde estava tinha sentido o impacto daquele olhar escuro, uns olhos tão pretos nos quais uma mulher poderia perder-se para sempre.

E não o fizera ela uma vez?

Parecia-lhe incrível que pudesse afetá-la de tal modo depois de doze longos anos. Agora, era uma mulher divorciada, nada a ver com a rapariga idealista que fora em tempos, quando o conhecera.

Da última vez que se tinham visto, acabava de fazer vinte anos, algumas semanas antes de ele, algo sobre o qual Kaden costumava brincar, dizendo que estava com uma «mulher mais velha».

Ao recordá-lo, sentiu um aperto tão forte no coração que teve de levar uma mão ao peito.

– Julia, estás bem? Ficaste muito pálida – disse Nigel, o diretor da fundação para a qual trabalhava.

Ela abanou a cabeça, deixando a sua taça sobre uma mesa.

– Deve ser o calor – conseguiu dizer, quase sem voz. – Vou... apanhar ar.

Julia abriu caminho entre as pessoas, sem olhar para os lados, em direção ao terraço que dava para o jardim.

– Não vás muito longe, tens de fazer o teu discurso – advertiu-a Nigel.

Quando saiu para o terraço, respirou fundo. Em meados de agosto, quando o calor em Londres era mais opressivo, ela estava a tremer. O ar cheirava a tormenta e o céu estava coberto de nuvens, mas Julia não via nada disso. Como não via o maravilhoso jardim cheio de flores exóticas levadas até ali por exploradores de todo o mundo.

Estava tão angustiada que teve de se agarrar à balaustrada do terraço, perdida nas lembranças. Tantas lembranças e tão vívidas como se tudo tivesse acontecido no dia anterior.

Sentiu que uma lágrima caía pelo seu rosto e, de repente, experimentou uma tristeza insuportável.

Mas como podia ser? Ela era uma mulher de trinta e dois anos, uma mulher madura, diriam alguns. Na melhor fase da vida, diriam outros.

Mas no dia em que apanhara um avião para partir do emirado de Burquat, na península arábica, algo tinha morrido dentro dela. E, embora tivesse prosseguido com os seus estudos, superando os seus próprios sonhos ao fazer o mestrado e o doutoramento, e tivesse amado o seu marido de certo modo, nunca tinha voltado a ser tão feliz como em Burquat. E a razão estava naquela sala cheia de gente.

Amara-o tanto...

– Doutora Somerton, está na hora do seu discurso.

Aquele pedido devolveu-a ao presente e Julia virou-se. Teria de falar diante de toda aquela gente durante quinze minutos, sabendo que ele estaria a olhar para ela.

Recordando?

Talvez nem sequer a recordasse. Certamente, Kaden tivera relações com mulheres suficientes desde então para que a sua lembrança se convertesse num simples borrão. Odiava admiti-lo, mas estava tão a par da vida amorosa dele como qualquer outra pessoa graças às revistas cor-de-rosa.

Talvez nem sequer o seu rosto lhe parecesse familiar. Talvez não recordasse as noites no deserto, quando sentiam que eram as únicas pessoas no mundo sob um interminável céu estrelado. Talvez não recordasse a emoção de se tornarem amantes, a primeira vez para os dois, e como a sua ingenuidade depressa se convertera numa paixão insaciável.

Talvez nem sequer recordasse o que lhe dissera sob as estrelas: «Amar-te-ei sempre. Mais nenhuma mulher poderá ser dona do meu coração como tu és».

E talvez não recordasse aquele dia terrível no palácio real de Burquat, quando, de repente, se tornara frio, distante e cruel.

Convencida de que um homem como Kaden a teria afastado da memória e contendo o desejo de fugir, Julia esboçou um sorriso enquanto se dirigia para o palco, tentando desesperadamente recordar o discurso.

 

 

– Julia Somerton está prestes a fazer o discurso, senhor. Ouvi dizer que utilizou as suas investigações em Burquat para fazer o doutoramento – estava a dizer o diretor do clube. – Talvez a tenha conhecido. Agora, dedica-se a angariar fundos para vários projetos arqueológicos.

Kaden olhou para o homem que abrira caminho entre as pessoas para o cumprimentar e assentiu com a cabeça. O diretor do clube arqueológico tinha-o convidado com a intenção de conseguir um donativo para o seu projeto, mas ele estava demasiado distraído para ter aquela conversa.

Julia Somerton... Não, não podia ser ela.

Embora não tivesse havido outra Julia em Burquat, tentava convencer-se de que se tratava de outra pessoa.

Naquela altura, era Julia Connors, não Somerton. Embora uma vozinha lhe dissesse que poderia ser casada. De facto, seria o mais lógico, já que ele também se casara.

Ao recordar o seu casamento, Kaden voltou a sentir uma onda de fúria, mas não devia recordar o passado.

E, no entanto, uma parte do seu passado, que se recusara a desaparecer apesar do tempo, estava à frente dele naquele momento.

Se fosse ela.

O seu coração começou a pulsar com força.

Fizera-se silêncio na sala e, quando Kaden viu subir ao palco uma mulher loira com um vestido preto elegante, o mundo pareceu parar.

Era ela, Julia. Em cima de um palco, como o pedestal onde ele a tinha colocado doze anos antes, um pedestal onde não tinha o direito de estar. Mas, felizmente, algo tinha evitado que cometesse o maior erro da sua vida.

Tentando afastar as lembranças, Kaden concentrou-se em Julia. A sua voz era suave, um pouco rouca, algo que o tinha atraído desde que a conhecera. Então, usava uma t-shirt, umas calças de ganga cheias de pó e um chapéu de safari que escondia parcialmente o seu rosto, mas tinha uma figura tão sensual que ficara sem fala. Tinha apenas dezanove anos e continuava a parecer uma menina. Agora, era mais esbelta. De facto, havia nela uma fragilidade que não tinha antes.

Aquela mulher não tinha nada a ver com a jovem coberta de pó que conhecera doze anos antes. Com o cabelo loiro apanhado numa trança e o vestido preto, era a elegância personificada. Mas a sua imagem elegante não conseguia parar a corrente de imagens carnais que lhe apareciam na mente... E com tanto detalhe que começou a excitar-se sem remédio.

Não deveria afetá-lo daquele modo, mas assim era. Aquilo era inconcebível.

Mas a verdade era que mais nenhuma mulher o tinha excitado como Julia. Nunca mais tinha voltado a perder o controlo como o tinha perdido com ela.

E nunca tinha sentido um ataque de ciúmes como o que sentira ao vê-la nos braços de outro homem...

Aquela lembrança quase o nauseava e teve de fazer um esforço para a afastar da mente.

Aquela mulher fora uma lição valiosa e, desde então, nunca mais deixara que os seus instintos mais básicos o fizessem perder a cabeça. E, no entanto, tudo isso parecia esquecido naquele momento.

Surpreendido com a sua reação e irracionalmente furioso com ela, Kaden apertou os lábios. Ouviu os convidados a rirem-se em reação a algo que ela dissera e, mais inquieto do que nunca, murmurou uma desculpa antes de sair para o terraço.

Assim que o discurso de Julia terminasse, partiria dali e jamais voltaria a vê-la.

 

 

Julia desceu do palco. Tivera de fazer um esforço sobre-humano para recordar o seu discurso quando vira a cabeça morena de Kaden entre as demais e os olhos pretos cravados nela. Mas, depois, com um movimento abrupto, vira-o a abrir caminho entre as pessoas para sair para o terraço. E, depois disso, tivera de fazer um esforço ainda maior para se concentrar.

Felizmente, o seu chefe aproximara-se assim que terminara o discurso e, quando ele lhe agarrara o braço, ela não se afastara como costumava fazer.

Desde o seu divórcio um ano antes, Nigel deixara bem claro o interesse por ela, apesar de Julia o desencorajar constantemente.

Naquela noite, no entanto, necessitava de todo o apoio possível. E se pudesse partir dali o quanto antes, talvez conseguisse esquecer que tinha voltado a ver Kaden.

Nigel falava sem parar, mas Julia não era capaz de se concentrar no que dizia porque via para onde a levava: para as portas do terraço. Ali havia um homem de costas, alto, de ombros largos, com o cabelo preto como o ébano a roçar a gola do casaco, exatamente igual ao dia em que o conhecera.

Como uma menina recalcitrante, Julia fez força com os pés no chão, mas Nigel, que não se dava conta, continuava a puxá-la.

– É um emir, portanto, não sei como devemos chamar-lhe... Talvez «Alteza». Seria fabuloso se se interessasse pela fundação.

Naquele momento, Julia recordou o dia em que conhecera Kaden. Estava apenas há duas semanas a trabalhar na expedição arqueológica de Burquat e estava de joelhos a limpar fósseis com o pincel quando um par de sapatos aparecera no seu campo de visão.

– Não continue – advertira. – Está prestes a pisar um fóssil que certamente estará nesta região há mais de trinta mil anos.

– Cumprimenta sempre as pessoas com tanto entusiasmo? – ouvira-o a perguntar.

Julia apertara os dentes. Desde que chegara a Burquat, fora alvo de desejo e de especulação por parte de muitos homens, mas não se iludia. Sendo a única mulher entre cinquenta arqueólogos, era de esperar.

– Se não se importar, estou a trabalhar.

– Sim, importa-me, sou o príncipe Kaden e quero que olhe para mim quando falar comigo.

Julia tinha-se esquecido por completo de que o emir de Burquat ia visitar a escavação naquele dia com o seu filho.

Quando se endireitara e finalmente o olhara, o sol batia-lhe nos olhos e só conseguia ver uma figura alta formidável.

Tirando as luvas, levantara-se, encontrando-se cara a cara com o homem mais bonito que vira em toda a sua vida. A túnica branca destacava-lhe a tez bronzeada e os ombros largos, e, embora usasse turbante, escapavam-lhes alguns caracóis escuros. E tinha uns olhos pretos que pareciam hipnotizá-la.

Aflita, Julia tirara o chapéu e oferecera-lhe a sua mão...

– E esta é a doutora Somerton, a nossa diretora de Recursos, cujo trabalho de angariação de fundos para as nossas escavações é fundamental para a fundação.

O passado misturou-se com o presente e Julia encontrou-se a oferecer a sua mão a Kaden no terraço.

Kaden, com um fato escuro e uma camisa branca com o colarinho aberto, tinha um aspeto imponente e imensamente mais formidável do que qualquer outro homem.

Não tinha perdido cabelo, nem tinha barriga depois de tantos anos. Pelo contrário, emanava virilidade, vitalidade e um magnetismo sexual mais forte do que nunca.

A cana do nariz, ligeiramente torta, aumentava a sensação de perigo. Recordava o dia em que se magoara enquanto participava num jogo nacional de Burquat...

E sentiu um aperto no coração ao ver que as suas feições eram mais marcadas agora. Embora a sua boca fosse tão sensual como recordava, com o lábio inferior grosso e o superior ligeiramente mais fino. Adorava passar o dedo pelos seus lábios...

Era uma boca que inspiraria desejo até à mais descrente das mulheres.

A força daquele desejo surpreendeu Julia. Mas não podia continuar a desejá-lo depois de tantos anos... Ou podia?

Kaden olhava-a tão fixamente como ela a ele, mas isso não era nenhum consolo. Era evidente que a tinha reconhecido, mas também que não gostava daquele encontro.

A mão de Kaden envolveu a sua e um milhão de sensações explodiu por todo o seu corpo.

Demasiado civilizado para cometer uma descortesia como negar-lhe a mão, Kaden apertou os dentes perante o contacto inevitável, mas não serviu de nada. O mero roçar da sua pele fê-lo desejar apertá-la contra o peito, acariciá-la como antes. Gostaria de redescobrir aquela mulher e o desejo era tão forte que provocou uma tormenta de proporções gigantescas dentro dele.

Perguntou-se desde quando é que apertar a mão de uma mulher lhe tinha provocado tal reação. Mas ele sabia-o muito bem: doze anos antes, sob o sol inclemente do deserto de Burquat, entre relíquias poeirentas, quando aquela mulher olhara para ele com um sorriso tímido nos lábios.

Derrotado, Kaden teve de reconhecer que a sua vontade de sair dali e esquecer que tinha voltado a vê-la se dissolvia numa nuvem de desejo.