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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2002 Janet Justiss

© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

O prazer desconhecido, n.º 273 - Janeiro 2016

Título original: My Lady’s Pleasure

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

Publicado em português em 2004

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura

coincidência.

® Harlequin, Harlequin Internacional e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-7733-7

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S. L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Um

Dois

Três

Quatro

Cinco

Seis

Sete

Oito

Nove

Dez

Onze

Doze

Treze

Catorze

Quinze

Dezasseis

Dezassete

Dezoito

Dezanove

Vinte

Vinte e um

Epílogo

Se gostou deste livro…

Um

 

Naquele momento, Valeria Arnold decidiu que não permitiria que aquele ato pecaminoso acontecesse no seu celeiro.

Ela parou e viu a criada Sukey Mae a soltar o laço do corpete para revelar os seus seios mais do que generosos, enquanto se dirigia para o celeiro para um suposto encontro às escondidas.

Como poderia impedir tamanha afronta?

Após a cavalgada matinal, Valeria caminhava até casa para tomar chá quando viu Sukey a puxar as mangas do vestido e a sair furtivamente da cozinha. Já que a criada se encontrava fora de alcance, Valeria teria de a seguir, se quisesse impor a sua autoridade.

Bem, tratando-se de uma tarefa desagradável, o melhor seria realizá-la depressa.

Largando o chicote, Valeria ergueu o queixo e precipitou-se em direção à porta. No último momento, parou para apanhar uma bengala grossa que jazia ao lado do aparador. Caso a sua firme autoridade não fosse suficiente para dissuadir a ávida Sukey, não seria má ideia estar preparada.

A coragem quase a abandonou ao aproximar-se do celeiro. Através da parede chegavam os risos estridentes de Sukey, intervalados pelos murmúrios de uma voz masculina. Valeria respirou fundo e esfregou as mãos suadas na saia de lã.

Deveria anunciar a sua presença. Sentindo as faces coradas, decidiu que não adiantaria de nada surpreendê-los no que quer que estivessem a fazer. A ideia de testemunhar a nudez de um homem, que não agonizava devido a uma doença grave, causava-lhe ondas de calor.

Disparate, disse a si mesma, tocando no rosto para arrefecer as faces. Uma viúva respeitável não devia ter tais pensamentos. Em especial, e a honestidade impelia-a a acrescentar, quando naquela região remota de Yorkshire havia escassas oportunidades para ela concretizar certas… fantasias.

– Sukey Mae, estás aí? – indagou Valeria ao abrir a porta do celeiro. – A cozinheira precisa da tua ajuda na cozinha agora mesmo!

Mal ouviu a exclamação de surpresa, entrou.

Primeiro, avistou Sukey que, aflita, tentava atar o corpete, enquanto a saia, coberta de feno, se encontrava erguida e expondo a perna. Em seguida, o olhar de Valeria focou o homem ao lado da criada.

Os cabelos louros cintilavam ao sol da manhã e o corpo de músculos bem torneados não se assemelhava ao de um dos empregados da quinta, como ela inicialmente suspeitara. Os olhos dourados de gato mediram-na da cabeça aos pés. A expressão, tanto desgostosa como divertida, deu lugar a um sorriso malicioso.

– Um interlúdio a três? Quem poderia imaginar que encontraria tantos deleites nos recantos mais recônditos de Yorkshire?

A voz revelava o sotaque típico de Eton e Oxford. A camisa fina de linho, desabotoada até à cintura e a gravata solta no colarinho contrastavam com as calças caras bem talhadas embora com simplicidade, adquiridas, supostamente, em Bond Street.

Quando o sorriso do estranho se alargou, Valeria notou que o encarava boquiaberta. A bem da verdade, o homem garboso parecia desproporcional naquela remota região de Inglaterra, como se tivesse caído da lua. Onde é que Sukey achara aquele janota?

Antes de fazer valer o seu intuito, Valeria teve de admitir uma certa simpatia pela suscetível Sukey. Com aqueles olhos e o sorriso libertino, o cavalheiro poderia tentar até uma santa!

– Sukey Mae Gibson – Valeria ralhou, embora o tom de voz soasse fraco. – Volta para a cozinha. Conversaremos mais tarde.

Acabando de apertar o corpete, a criada suspirou, frustrada. Quando Sukey passou pelo estranho, o pretensioso patife teve a audácia de lhe piscar o olho. Um sorriso tolo surgiu nos lábios da pobre, antes de se dirigir a Valeria.

– Mas, patroa…

– Agora, Sukey – ordenou Valeria. – Não me faças esquecer que perdoar é uma virtude cristã.

Qualquer outra proprietária de uma casa de campo teria despedido a jovem, concluiu Valeria. Porém, a preocupação em combater a pobreza em que vivia a maioria das pessoas naquela região impedia-a de cometer atitudes radicais.

Manteve a atenção na criada até que esta, com passos lentos, se retirou do celeiro. Então, Valeria fixou o mesmo olhar severo no visitante indesejável.

– Poderia fazer o favor, sir, de sair da minha propriedade e voltar para o lugar de onde veio.

Aparentemente sem o menor constrangimento, o homem inspecionou-a outra vez, da cabeça aos pés.

– Agora?!

Ele falava com uma certa cadência, cuja origem em concreto a mente de Valeria tentava descobrir enquanto o patife se aproximava. Antes que ela pudesse fugir, o homem ergueu a sua garra de pantera e acariciou uma madeixa dos cabelos que tinha escapado do gancho.

– Já que interrompeu o meu exercício matinal, poderia substituir a doce Sukey. O que acha?

Os olhos dourados pareciam hipnotizá-la. Por um instante, ela não conseguiu mexer-se ou respirar. De súbito, sentiu o odor a uísque e o penetrante aroma de charuto.

O estranho mal disfarçava a pouca vergonha. Em vez de acordar cedo, o vadio nem sequer dormira…

O primeiro pensamento de Valeria, além de se voltar a interrogar de que mundo viera o patife, foi ignorar a forte atração que ele exercia sobre ela.

– De maneira nenhuma! – exclamou, afastando-se.

– Por que não, querida? Parece pronta para um beijo.

Uma vez que ela encarava os lábios do intruso, não seria prudente debater o assunto.

– Tem o aspeto de um cavalheiro, sir, e, portanto, devo deduzir que jamais molestaria uma dama contra a sua vontade.

Para sua surpresa, o homem soltou uma gargalhada.

– Está enganada em ambas as afirmações! Devo mostrar-lhe porquê? – tocou-lhe no queixo.

O olhar de Valeria fixou-se no dele. Apertou a bengala, mesmo sabendo que o tamanho e a força do cavalheiro a poderiam dominar. Caso resolvesse atacá-la, o grosso bastão de madeira não teria muita utilidade. Mas, a despeito da ameaça, ela não sentiu medo.

– Prefiro que não me mostre. Também preferiria que não se envolvesse com a minha criada.

– Está a perder o seu tempo – soltou-lhe o queixo. – A jovem não consegue conter-se. Se não for para mim, ela levantará as saias para qualquer rapaz que apareça.

– Mas não no meu celeiro.

Com um gesto apenas, o homem recolheu o casaco.

– Eu não teria tanta certeza.

Ela também não. Contudo, não discutiria com aquele estranho o que a necessidade a forçava a tolerar.

– Acredito que consiga encontrar o caminho de volta sozinho. Bom dia, sir.

Valeria virou-se para sair, mas o homem segurou-a pelos ombros.

– Tem a certeza de que quer ir-se embora?

O toque nos seus ombros irradiou outras ondas de calor. Algo, há muito esquecido, borbulhava dentro dela.

Não sejas parva, ralhou consigo mesma. Valeria desenvencilhou-se e recuou um passo.

– Tenho, sim – respondeu, e retirou-se.

Foi seguida por um riso suave. Um segundo antes de fechar a porta do celeiro, ela ouviu-o a murmurar:

– Mentirosa…

Estaria mesmo disposta, perguntou-se Valeria ao caminhar até casa, resistindo à tentação de olhar para trás e ver o homem partir.

Claro que não consideraria deitar-se com um estranho que, de tão indiscriminado, estivera prestes a fornicar a sua criada! Contudo, Valeria não podia negar que a virilidade do desconhecido acendera o reprimido desejo pelo laço físico que o casamento prometia. Uma promessa que, no seu caso, nunca fora cumprida.

A dor inevitável, agora muda, invadiu-a. Não conseguia deixar de pensar em Hugh, o charmoso oficial de ombros largos, cabelos pretos e olhos castanhos que brilhavam de saúde e vivacidade. O homem que tinha sido o melhor amigo de seu irmão, o herói de todas as fantasias adolescentes de Valeria e, por um breve período, o seu marido.

Hugh não gostaria de ser recordado dessa forma. No último verão, dominado por uma febre aguda, emagrecera ao extremo, e os olhos tinham perdido o brilho vivaz, revelando somente a sombra da morte.

Trémula, Valeria baniu mais uma vez as imagens. O melhor seria enterrar as recordações juntamente com a desastrosa noite de núpcias.

Impaciente, ignorou uma vaga sensação de culpa. Era natural, já que sabia tão pouco acerca dos deleites do amor, que ficasse tentada por um estranho de olhos felinos, cujos lábios e as mãos prometiam requintes na arte da sedução.

Comparar o enfadonho Arthur Hardesty, o seu antigo pretendente, à personificação viril, que emanava daquele estranho, era tão hilariante que ela tinha vontade de rir.

A atração que sentia pelo cavalheiro desconhecido também lhe parecia cómica. Se algum dia o encontrasse no seu verdadeiro habitat, como por exemplo numa elegante receção em Londres, Valeria não se sentiria tão enfeitiçada pelo homem como a sua simplória criada.

No entanto, se desejasse aliviar o tédio da sua pacata existência com visões de um tórrido interlúdio, a diversão inofensiva seria o ápice da sua vida. O estranho, sem dúvida, não pertencia àquela região. Devia ser um viajante, de passagem, que Sukey encontrara quando fora à cidade buscar mantimentos.

Sim, não havia necessidade de alimentar fantasias fúteis. Afinal, Valeria nunca mais veria o patife.

 

 

Rindo, Teagan Michael Shane Fitzwilliams apreciou a recatada figura da dama vestida de preto. Com curvas deliciosas, embora não tão generosas como as da criada, Sukey, a Dama Misteriosa deixou-o mais que intrigado.

Eufórico graças às vitórias que lhe garantiriam lençóis limpos e provisões adequadas durante os próximos meses, Teagan decidira cavalgar a fim de eliminar o odor a charuto e a conhaque após a dura noite de jogo. Se não tivesse sido acusado por três vezes de proscrito, ele não seguiria os caminhos da profissão mais antiga do mundo: a sedução.

A insolente criada, de curvas amplas e olhares maliciosos, tinha atraído a sua atenção na cidade.

Embora o corpo ainda protestasse devido à interrupção abrupta da sua atividade recreativa favorita, a mente debatia-se com a possibilidade de desafiar uma parceira mais provocante.

A criada tinha-lhe chamado patroa. Portanto, a decorosa dama devia ser a senhora do pequeno feudo que ele avistou para além da cortina de árvores quando se afastou do celeiro.

Uma viúva num sóbrio traje preto? Ou talvez se tratasse de uma mulher que não gostava do marido, pois nenhuma esposa que adorasse o desporto do amor empregaria uma libertina como Sukey.

De qualquer forma, Teagan vira a atração nos olhos dela… e o desejo. A combinação exata que oferecia o potencial de um proveitoso interlúdio.

Os trajes da Dama Misteriosa jamais seriam vistos dentro de um empório de Londres, concluiu ele. Mas a estufa de flores da metrópole, com a sua interminável necessidade de lisonja, boatos e manipulação, estava a tornar-se entediante nos últimos tempos.

Que os outros homens perseguissem as messalinas que Rafe Crandall trouxera para ocupar os hóspedes já cansados de caçar ou jogar às cartas. Contudo, ele estava decidido a fazer uma pequena pesquisa junto do seu anfitrião a fim de saber mais a respeito da Dama Misteriosa. A mulher pela qual sentiu uma atração imediata.

O corpo ávido por satisfação voltou a incomodá-lo. Há muito tempo que não era capaz de combinar negócios e prazer.

O olhar sagaz por detalhes trouxe-lhe outra recordação que o desanimou. O traje preto não só estava fora de moda, como também puído.

Tentou nutrir esperança. Talvez a Dama Misteriosa poupasse as roupas mais elegantes para impressionar a alta sociedade inglesa durante as suas estadas em Londres. Se não, a sua bela viúva nem sequer possuía um xelim no bolso.

Nem a visão de Ailainn, o imponente garanhão que representava a sua única indulgência, apagou a irritação de chegar a essa conclusão.

A sociedade londrina considerava Teagan um grande irresponsável. Aliás, uma imagem cuidadosamente cultivada para provocar os impolutos parentes ingleses de sua mãe. Mas ele aprendera cedo o sofrimento de uma barriga faminta e de um bolso vazio. Um homem que vivia dos próprios recursos não podia dar-se ao luxo de negligenciar o jogo e perseguir uma mulher por mero divertimento

Teagan precisava de a esquecer, concluiu ao montar Ailainn.

Quando o garanhão trotou em direção à residência de caça de Rafe, Teagan incitou o animal a um galope. A beleza poderosa do cavalo e o vento, que varria os resquícios da noite anterior, reavivavam o seu espírito.

Parando o garanhão numa colina, de onde se podia avistar a casa de seu anfitrião, Teagan soltou uma gargalhada, feliz por estar vivo numa manhã tão gloriosa.

Talvez fosse a mesma teimosia extravagante que levara sua mãe a desafiar a família nobre e a acompanhar o patife sedutor que a deixara morrer sozinha num casebre em Dublin. Um homem, os seus parentes críticos nunca se cansavam de lho lembrarem, com o qual Teagan se assemelhava enormemente.

Ou então, todos os irlandeses eram idiotas. Não fora assim que os parentes ingleses pintaram o quadro?

Fosse por teimosia ou tolice, decidiu ele, por fim, conquistaria a sua Dama Misteriosa, sendo ela rica ou não.

 

Dois

 

Inspecionando os resquícios do que fora outrora o seu vaso predileto, Valeria tentou conter a irritação. Teria pouca utilidade castigar a chorosa Sukey. Portanto, ordenou que a criada inútil se recolhesse ao próprio quarto.

Valeria baixou-se para apanhar o pedaço maior, cujos desenhos de flores e pássaros sobre a porcelana branca tinha sido o último presente do seu irmão antes de morrer em Talavera. Como Elliot, o vaso não podia voltar à sua forma anterior. Ela respirou fundo, numa tentativa de reprimir as lágrimas.

A recordação apenas lhe trazia dor e Deus era testemunha de que já tinha sofrido muito. Concentrou-se, então, no problema prático de juntar os cacos.

Porém, não conseguiu evitar um sorriso. A reprimenda que fizera à infeliz Sukey resultara. Apavorada perante a ideia do trágico futuro que a esperava nas ruas ou num bordel, Sukey mostrara-se disposta a cooperar. Contudo, após implorar perdão à patroa, ainda se encontrava agitada devido à lábia libidinosa do cavalheiro londrino.

Sendo assim, os desastrosos esforços da criada naquela manhã tiveram como consequência a perda do pão que Sukey se esquecera no forno, nas manchas na melhor toalha de Valeria e agora na destruição da única ligação física que ela possuía com o falecido irmão.

Para distrair a angústia, Valeria invocou, de propósito, o garboso estranho que, tinha de admitir, também a deixara agitada. Ainda de joelhos e sorridente, traçou em pensamento a imagem do corpo vigoroso e dos olhos de gato, como se acariciasse a superfície de uma pedra preciosa.

De repente, Mercy, a sua ama e agora criada pessoal, abriu a porta da sala.

– Enfim, encontrei-a! Lamento informar que sir Arthur e lady Hardesty estão aqui. Tentei dispensá-los, mas eles sabem que a senhora está em casa e insistem em vê-la.

Valeria gemeu. Com o mau humor da cozinheira por causa do pão queimado, o velho mordomo aborrecido devido à toalha manchada e os livros de finanças ainda por examinar, ela não tinha tempo nem interesse naquelas visitas que agora precisava de entreter.

Resmungando impropérios, Valeria colocou os restos do vaso no seu lenço.

– Abriu a porta?

A velha ama baixou-se para a ajudar.

– Sim. Desculpe-me, lady Val, mas o mordomo, Masters, ainda está na despensa a reclamar. Vou levar estes cacos para a cozinha.

– Nesse caso, serei obrigada a suportar a comiseração de lady Hardesty acerca das minhas desafortunadas circunstâncias, e a manter um mordomo demasiado velho para cumprir os seus deveres – Valeria suspirou e entregou os restos do vaso à ama. – Por favor, leve tudo isto. Prefiro não ter de explicar o que aconteceu a estimular outro sermão a respeito da falsa caridade de contratar Sukey.

Valeria ajeitou os cabelos.

– Faça-os entrar, Mercy.

Daí a segundos entrava na sala a protuberância de lady Hardesty.

– Minha querida Valeria! Quanta gentileza em nos receber sem prévio aviso. E espero que o pobre Masters não esteja doente. A sua criada, Mercy, abriu-nos a porta.

Valeria engoliu a irritação.

– Ele está muito bem, obrigada. Como não aguardávamos visitas esta manhã, Masters ocupou-se com outros afazeres.

– Sim. Infelizmente, não tem recursos para empregar um criado que o auxilie.

– Aceita uma chávena de chá? – perguntou Valeria, ignorando o comentário.

– Oh, aceito. O chá vai ajudar a acalmar os meus nervos que, juro, estão à flor da pele. Somente o meu dever para com o pobre Hugh é que me deu forças para sair hoje!

– Sente-se, mamã, e fique à vontade. Lady Arnold, parece-me muito bem-disposta – com a testa a suar por ter amparado a pesada lady Hardesty até ao sofá, sir Arthur reverenciou-a.

– Estou mesmo. E como vai o senhor, sir Arthur? – Valeria não se deu ao trabalho de perguntar que novidades levaram lady Hardesty a deslocar-se com tamanha euforia. Sabia que a mulher lhe contaria tudo muito em breve.

Ofegante, sir Arthur ajeitou as almofadas do sofá para a mãe e voltou-se para Valeria, sorridente.

– Está particularmente adorável hoje.

Como usava um dos vestidos mais velhos que possuía, com os cabelos em desalinho devido à cavalgada daquela manhã e as mangas salpicadas de farinha, ela emitiu um murmúrio inexpressivo.

O sorriso de Arthur era doce, refletiu Valeria. Se não fosse o facto de aquela doçura encobrir uma inteligência inferior para considerar o elogio um despropósito, um corpo que começava a evidenciar a herança materna e uma mãe que o mantinha de rédeas curtas, Valeria poderia pensar em deixar sir Arthur aliviar-lhe o peso de administrar uma quinta de criação de ovelhas nada rentável.

– … um perigo terrível! – lady Hardesty tocou no braço de Valeria, chamando-lhe a atenção. – Uma ameaça a cada mulher decente desta vizinhança!

– O que a mamã quer dizer – explicou sir Arthur, – é que Rafe Crandall, o filho mais novo do visconde Crandall, trouxe um grupo de convidados… um tanto indecorosos para a sua residência de caça.

– Uma propriedade, minha querida, que faz estrema com as suas terras!

– Sete acres e meio a oeste – esclareceu o filho. – Embora a maior parte, cento e trinta e seis acres, esteja adjunta ao Castelo Hardesty.

Era evidente que sir Arthur tinha medido cada acre da propriedade, pensou Valeria. O seu pretendente, suspeitava ela, valorizava mais os campos que faziam estrema com os dele do que a beleza ou o charme que Valeria pudesse possuir.

– E as pessoas que o jovem está a hospedar! – prosseguiu lady Hardesty. – São um perigo iminente a qualquer mulher de boa família que caminha pelas ruas. Depois de toda a sua devoção, sei que o querido Hugh apreciaria a minha gentileza em a proteger até que esse grupo se vá embora.

Enquanto sir Arthur apenas via os acres que procurava obter, a mãe alcoviteira visava a mulher que cuidara do amigo de infância do filho. Alguém, portanto, que poderia submeter-se à caridade de um segundo marido.

Isso nunca, Valeria jurou em pensamento.

– Não é tão terrível como diz, mamã – corrigiu sir Arthur. – Ouso afirmar que, enquanto lady Arnold permanecer na sua propriedade, estará segura. No entanto, alguns convidados costumam praticar tiro ao alvo e num estado nada sóbrio. Logo, seria melhor para ela não cavalgar como é habitual.

– É um grande risco passear pelo bosque. Arthur, você não mencionou ter visto o homem ontem, no Creel e Wicket? – lady Hardesty estremeceu. – Dizem que aqueles olhos de gato podem hipnotizar uma mulher desprevenida.

A atenção de Valeria despertou novamente.

– Olhos de gato?

– Disparate – reprovou sir Arthur. – As damas sempre acharam Teagan atraente, mas eu nunca ouvi dizer que tivessem sido hipnotizadas.

– Quem sabe o que é capaz de fazer a ralé irlandesa – retorquiu lady Hardesty.

– É meio irlandês, mamã. A mãe de Teagan era de uma família inglesa nobre, filha do conde de Montford. Caso contrário, de que outra maneira Teagan teria estudado em Eton e Oxford?

– Um dos convidados é um libertino e… filho natural da filha de um conde? – perguntou Valeria, com o coração acelerado ao lembrar-se dos olhos dourados e do sorriso sedutor.

– Não, a pobre donzela casou-se com um irlandês… o moço de estrebaria do pai! – exclamou lady Hardesty. – E pensar que lady Gwyneth mostrou tão pouca consideração pela sua posição social…

Irlandês, pensou Valeria. Isso explicava o tom de voz cadenciado.

– Foi o que ela mereceu – continuou lady Hardesty, aborrecida. – O irlandês safado abandonou a mulher e o filho, deixando-a morrer na pobreza. Ora, o menino teve de viver nas ruas até que um clérigo bondoso o levou para a família do conde Montford. Naquela altura, já era um ladrão.

– Não exagere, mamã. Teagan devia ter uns seis anos porque, quando o conheci em Eton, nem sequer tinha completado os sete – sir Arthur dirigiu-se a Valeria: – Estamos a falar de Teagan Fitzwilliams, lady Arnold. Na verdade, a sua reputação é muito má. Mas o jovem que conheci não é cruel, apenas selvagem.

– Suficientemente selvagem para se viciar cedo. Não me disse que lhe chamavam trapaceiro na escola?

– Astuto, mamã. O apelido surgiu por causa dos truques e artifícios que ele utilizava no jogo de cartas.

– Mas não pode negar que ele se tornou num jogador e num libertino impiedoso.

– Não o posso condenar porque ganha a vida sobre as toalhas verdes, mamã. O que lhe restou depois da família da sua mãe o ter banido de Oxford? E, francamente, acho que as histórias das centenas de mulheres que ele seduziu são um exagero.

– É claro que o baniram. Porque não o fariam depois de ele ter seduzido a esposa do decano!

– Foi a nora do mentor de Teagan, mamã.

– Bem, a sociedade inteira ficou indignada pela atitude dele para com a esposa do velho lorde Uxtabridge. Pode achar que exagero – ela virou-se para o filho, – mas Maria Edgeworth manteve-me atualizada durante anos. Portanto, estou mais informada acerca do facto que você!

Após ter efetivamente vencido o filho, ela voltou-se outra vez para Valeria, ávida por mais mexericos.

– Depois de Uxtabridge, que não se devia ter unido a uma menina que podia ser sua neta, houve lady Shelton e…

– Mamã, está a embaraçar lady Arnold – sir Arthur repreendeu-a, olhando para Valeria, como se esperasse vê-la desmaiar a qualquer momento.

Grata pelo rubor ter sido confundido com constrangimento, Valeria estava ansiosa por absorver todos os detalhes que lady Hardesty lhe pudesse fornecer.

– Os meus nervos estão estáveis, mas obrigada pela preocupação, sir Arthur. Acredito que lady Hardesty tenha razão. Devo saber de tudo.

– De facto – a matrona encarou o filho com superioridade. – Os cavalheiros tentam disfarçar o que possuem de mais vil, mas nós, as damas, sabemos quando se estão a proteger. E considerar-me-ia negligente no meu dever para com o querido Hugh, se não transmitisse à sua doce viúva, que desconhece a maldade dos homens, as informações devidas.

Valeria sentiu uma certa culpa, mas não a suficiente para impedir o desabafo da mexeriqueira.

– Obrigada, lady Hardesty.

– Sabe que a considero como uma filha, querida Valeria. Contudo, sinto-me péssima por falar de alguém que Arthur considera um amigo. Devo avisá-la que, segundo Maria, Fitzwilliams nunca perde no jogo, abandona uma garrafa ou deixa passar uma oportunidade, perdoe as minhas palavras, de desflorar a esposa de um homem.

– Sendo viúva, devo estar a salvo.

Lady Hardesty desprezou o comentário e não fez nenhum esforço para conduzir a conversa ao ponto que queria.

– Ouso dizer que nenhuma mulher está a salvo. Na verdade, em nome do dever que possuo para com Hugh, insisto que fique connosco em Hardesty Castle até os convidados de Crandall e aquele homem partirem.

Valeria quase entrou em pânico. O convite iria impedi-la de voltar a encontrar o patife. Pior ainda, teria de aguentar a corte de sir Arthur e as manobras nada subtis de lady Hardesty.

– De facto, lady Hardesty, é muito generosa! – apressou-se a dizer Valeria. – Mas não lhe posso dar esse trabalho, já que os seus nervos andam abalados. Além disso, aproxima-se a época da tosquia. Não me devo ausentar da quinta quando há tanto para preparar – concluiu ela, apelando para a conhecida repulsa de lady Hardesty por trabalhos inferiores.

– Tem um admirável sentido de dever, lady Arnold – disse sir Arthur. – Talvez eu possa ajudá-la…

– Não, sir Arthur! Com as vastas responsabilidades que já possui nas suas terras, não ouso pedir-lhe o fardo de supervisionar as minhas.

– Querida dama, nada do que me pedir será um fardo.

Oh, ele adoraria assumir os acres que Hugh lhe deixara, refletiu Valeria, sarcástica.

De súbito, apanhou sir Arthur a lançar um olhar significativo à mãe. Lady Hardesty levantou-se.

– Valeria, querida, quase que me esquecia. Trouxe comigo o molde de um bordado que precisará já que as cortinas do seu átrio necessitam de ser arranjadas. Se me der licença, vou levá-lo à sua criada.

Determinada a evitar qualquer conversa a sós com sir Arthur, Valeria também se levantou.

– Agradeço-lhe, mas ficará para outro dia – aflita, procurou uma desculpa que pudesse tirar lady Hardesty de casa. – Sukey Mae está de cama. Nada de preocupante, apenas uma gripe. Eu estava prestes a preparar-lhe um chá de ervas medicinais quando a senhora chegou. Na verdade – acrescentou um tanto rouca, – a minha garganta não anda bem. Acho que vou tomar um pouco da mistura.

Quando sir Arthur se levantou com a velocidade de um foguete, lady Hardesty levou o lenço ao nariz.

Lady Arnold, devia ter dito que não se sentia bem. Sem dúvida, conhece a delicadeza dos meus pulmões. Vamos, Arthur, não podemos demorar – a mulher correu para a porta.

Valeria acompanhou-os. Apesar da exagerada dedicação, lady Hardesty tinha tanto pavor de doenças que nem sequer visitara o querido Hugh durante os meses em que ele estivera doente.

Lembrando-se disso, Valeria permitiu-se tossir dessa vez. Lady Hardesty apressou-se.

– Devo melhorar num dia ou dois. Obrigada pela visita – acenou para os convidados. E, imensamente feliz, fechou a porta da frente.

Um patife irlandês, pensou, ao voltar à sala. Um irlandês libertino, cujo sorriso e o olhar intimidador poderiam encantar até duendes.

E mulheres insensatas.

Seria um trapaceiro e mentiroso, como dissera lady Hardesty? Sabendo que os piores boatos formavam os melhores mexericos, Valeria estava mais inclinada a acreditar nas recordações de sir Arthur acerca de um órfão rejeitado pela família snobe da mãe.

Tinha reconhecido o brilho inteligente daqueles olhos felinos e lembrava-se bem do corpo musculoso. No entanto, como ficara órfã em tenra idade, podia imaginar o que sofrera o menino de seis anos ao ser obrigado a viver nas ruas após perder a mãe. Um menino que, de repente, se vira dependente da caridade de uma família aristocrata, a qual nunca o deixara esquecer as safadezas do pai, a ingratidão da mãe e a sua origem irlandesa.

Havia motivos legítimos para ele se ter tornado um estroina. Mas não, e Valeria tinha quase a certeza, num sedutor sem escrúpulos.

Apesar de dizerem o contrário, o senhor Fitzwilliams portara-se como um cavalheiro. Afinal, Valeria ficara a sós com ele, indefesa, e o homem não tirara vantagem da situação. Um predador de verdade, como os que ela encontrara enquanto estivera na Índia com o pai, nunca deixaria passar uma oportunidade como aquela.

Não, ele não fora um patife, e a sua zombaria instigara-a, em vez de a ameaçar.

Tal como lady Hardesty mandara e sir Arthur recomendara, não podia permanecer em casa. Valeria teria de cavalgar pela manhã, como fazia sempre.

E se encontrasse o fascinante senhor Fitzwilliams?

O seu coração começou a palpitar. O rubor cobriu-lhe as faces, depois veio o frio. Uma sensação estranha percorreu o seu ventre e sentiu os mamilos a ficarem túmidos.

Sim, sentia desejo pelo homem… como tantas outras mulheres. Porém, não conseguia refrear a imaginação efervescente. Como seria ter os lábios do patife nos dela? Que sensações causariam as mãos bronzeadas se afagassem as partes mais íntimas de Valeria? Uma poderosa onda de desejo dominou-a.

Isolada naquela região rural e lutando para acumular recursos financeiros, a vaga necessidade da juventude transformara-se em urgência. O casamento tinha durado muito pouco tempo antes de ficar viúva. Portanto, a paixão nunca fora libertada.

Como Valeria almejava viver a experiência que os bardos cantaram através dos séculos… Se não cedesse à corte que Arthur Hardesty lhe fazia, ela jamais provaria tal deleite.

Com Arthur, Valeria só teria uma prévia noção e nada mais.

Resignada, ajoelhou-se outra vez para apanhar os resquícios que ainda restavam do vaso. Então, teve uma ideia. As suas mãos permaneceram paradas no ar.

Teagan Fitzwilliams, tal como dissera lady Hardesty, era um mestre da sedução. Como Valeria pôde observar, o cavalheiro alto e loiro parecia ser tudo o que uma mulher desejava num amante, capaz até de fazer uma viúva sem esperança sentir desejo.

Teagan Fitzwilliams estaria na vizinhança de Eastwood por mais alguns dias. Nesse tempo, ele poderia iniciá-la nos rituais da paixão, dos quais era obviamente um mestre, e nunca ninguém saberia. Caso voltasse a encontrá-lo e ele a rejeitasse, nunca seria descoberta tamanha humilhação. Mesmo que o homem a aceitasse, depois de alguns dias, ir-se-ia embora, poupando-lhe o constrangimento de voltar a encará-lo.

Mas, dentro de Valeria, o encantamento da paixão jamais desapareceria.

Levou as mãos trémulas ao rosto. A ideia era uma loucura!

Contudo, uma vez concebida, a ideia recusava-se a partir. Os sentidos de Valeria excitavam-se, clamavam pela necessidade de realizar o ato.

Sentiu uma dor aguda no dedo. Quando olhou para a sua própria mão, notou que tinha apertado os cacos com tanta força que tinha acabado por se cortar.

Poderia a sua mente fértil sofrer as consequências, perguntou-se, inspecionando o dedo ensanguentado. Se realizasse algo impetuoso, devasso, tão… impróprio de uma dama, sofreria muito mais do que constrangimento. Os homens podiam indulgenciar as suas paixões impunemente, mas não geravam filhos. Seria ela irresponsável ao ponto de correr esse risco?

Mas a sua menstruação, sempre regular, viria daí a um dia ou dois. Mercy confidenciara-lhe na noite de núpcias de Valeria, três anos antes, que nenhuma mulher concebia tão perto dessa altura. Logo, Valeria consolava-se com o facto de que não daria à luz um bebé que nunca conheceria o pai.

Não haveria uma gravidez. Mas podia existir prazer… Um prazer que ela nunca conhecera e que talvez jamais tivesse a oportunidade de encontrar.

Oh, não ousaria.

Ou ousaria?

Numa tentativa de eliminar o tormento na sua mente sempre tão ponderada, Valeria levantou-se para deitar fora os restos do vaso. Ao notar que o dedo continuava a sangrar, levou-o aos lábios.

Quando sugou a ponta do dedo, um arrepio percorreu-lhe o corpo. Como se sentiria, caso Teagan Fitzwilliams estivesse a sugar-lhe… os mamilos?

Outra onda de calor invadiu-a a ponto de a deixar tonta. Ela entrou na cozinha e assustou a cozinheira ao debruçar-se sobre o lava-loiças para lavar o rosto flamejante.

Não pensaria mais no assunto. O destino decidiria.

No dia seguinte, sairia para o seu passeio matinal. Se encontrasse Teagan Fitzwilliams… que assim fosse.

 

 

No fim da tarde, após uns sonhos deliciosos com uma certa dama de trajes pretos, Teagan saiu à procura do seu anfitrião. Encontrou-o na sala de jogos, disputando uma partida de bilhar com os outros cavalheiros.

Durante alguns instantes limitou-se a observar, avaliando o humor e o grau de sobriedade do grupo para decidir a melhor maneira de obter as informações que necessitava.

Rafe, como sempre, tinha um copo de conhaque na mão. Markham e Westerley, os dispendiosos filhos de um conde e de um marquês, respetivamente, pareciam já entorpecidos. Apenas o último membro do grupo, um senhor bem vestido, se mostrava sóbrio.

Aliás, como um homem com uma elevada importância no governo, lorde Riverton constituía um estranho elemento naquele grupo de ébrios desordeiros. No entanto, uma vez que o nobre inglês perdera uma soma considerável na noite anterior, Teagan estava disposto a ser afável.

– Cavalheiros – Teagan cumprimentou o grupo.

– Astuto! – Rafe sorriu-lhe. – Que bela noite que você teve. Riverton perdeu várias centenas e Markham deu-lhe o suficiente para pagar ao seu alfaiate.

Teagan cerrou os dentes. Suprimindo a raiva que lhe instigavam os seus conhecidos abastados, esforçou-se por sorrir.

– Tem razão. E hoje à noite pretendo ganhar-lhe um par novo das melhores botas que Hoby sabe fabricar.

Westerley ria às gargalhadas, enquanto Rafe batia nas costas de Markham.

– Antes disso, porém, estou disposto a cavalgar. Pensei em… – Teagan começou.

– Experimente a ruiva – interrompeu Rafe.

Quando os outros homens o confirmaram, Markham acrescentou:

– A loira possui uma bela sela.

Notando que lorde Riverton o olhava com uma certa curiosidade, Teagan prosseguiu:

– Agradeço as recomendações, senhores. Mas pretendo cavalgar um equino. O meu cavalo preto precisa de fazer exercício.

– Porque não me vende aquela beleza? – queixou-se Markham. – Não sei como consegue sustentar o animal.

– Ora, ganhando uma somas consideráveis a cavalheiros abonados como o senhor – replicou Teagan.

– Pelo preto… eu pagaria uma soma que o deixaria desafogado durante um ano!

– Uma proposta tentadora – Teagan ensaiou uma pose pensativa, como se considerasse a oferta de Markham. – Mas se eu lhe entregasse Ailainn, o garanhão nunca me perdoaria.

Enquanto os homens riam, Teagan dirigiu-se a Rafe.

– Posso cavalgar em qualquer direção ou haverá um marido ciumento nas redondezas, pronto a disparar sobre mim, se eu invadir a sua propriedade?

– Os maridos ciumentos são o seu forte – comentou Rafe. – Não se atreva a ir para o norte. Sir Arthur Hardesty mantém sentinelas para impedir que qualquer um ultrapasse a sua cerca. Não há muito para ver a oeste, mas a floresta do leste é belíssima – sorriu. – Em especial, se a viúva, lady Arnold, estiver a montar a cavalo.

– Uma viúva, disse? – perguntou Westerley. – Parece-me a aventura ideal para o Astuto! Ela é rica?

– Infelizmente, não. Lamento, Astuto. A mulher é tão indigente quanto você – respondeu Rafe. – Quando o marido faleceu, o título e as terras ficaram para um primo. Ele cresceu aqui, em Eastwood. A propriedade era da sua mãe e por isso não foi confiscada. Se aquela quinta minúscula de ovelhas oferecer à viúva mais de quinhentos guinéus por ano, eu ficaria espantado.

– Definitivamente, ela não serve para o Astuto – Westerley concluiu. – Ele prefere-as ricas e… generosas.

Teagan absteve-se de fazer comentários. Acompanhou a conversa que se seguiu, confirmando e tecendo opiniões sempre que solicitado. Porém, a sua mente digeria as informações. Então, tratava-se de lady Arnold. Até saber o nome de batismo continuaria a chamá-la de Dama Misteriosa. Não queria pensar nela através da marca que outro homem lhe deixara.

E, pelo visto, foi tudo o que o infeliz lhe deixara. Por isso, ela parecera tão necessitada. Teagan sentia a mesma fome a consumi-lo.

– A viúva é bonita, Rafe? – perguntava Markham. – Talvez seja o meu dever como cavalheiro aliviar a sua solidão.

O comentário despertou-o. A ideia do corpulento Markham a impor-se à esguia e delicada Dama Misteriosa alimentou a raiva que Teagan ocultara sempre.

– Ora, Markham, se a viúva é tão decente quanto diz Rafe, ela irá preferir uma ovelha.

Markham assustou-se, mas como os outros cavalheiros apoiaram Teagan, não respondeu. Ao parar de rir, Rafe acrescentou:

– Mesmo que Markham fosse tão charmoso como o Astuto, duvido que a viúva o aceitasse. Ela era totalmente devotada ao pobre Hugh. A ferida que ele sofreu na guerra infetou e a mulher tratou do marido meses a fio. Morreu nos braços dela, ao que dizem – Rafe suspirou. – É tão romântico!

– Pare. Estou prestes lavar-me em lágrimas – brincou Westerley. – Acho que vou fazer-lhe uma visita de condolências, se ela valer o esforço. Rafe?

– Só se você apreciar um rosto ingénuo, com grandes olhos castanhos, cabelos muitos sedosos e um corpo… – Rafe traçou a curva da taça de conhaque.

Era o suficiente, pensou Teagan. A Dama Misteriosa pertencia-lhe.

– Duvido que esteja suficientemente sóbrio para evitar bater numa árvore – disse, sarcástico. – No entanto, é melhor apressar-se, já que terá de passar um tempo interminável a tomar chá na sala, enquanto pensa numa forma de conquistar a viúva. Mas se prefere isso a usufruir das companhias magníficas que o nosso anfitrião nos oferece… – deixou a frase em aberto, de propósito. – A ruiva é mesmo fogosa?

Markham riu, maravilhado.

– Pode apostar. Pensando bem, este jogo está muito monótono. Acho que vou procurar aquela ruiva.

– Passe-me o taco, Markham – pediu Teagan. – Westerley, está fora ou posso contar que encherei os meus bolsos com o seu ouro?

Quando o homem franziu o sobrolho, Teagan prendeu a respiração. Não podia levantar suspeitas.

– Estou dentro – disse Westerley, por fim. – Nenhuma mulher vale a minha sobriedade, ainda mais tendo de ser persuadida. Guarde-me a loira, Markham.

Aliviado, Teagan voltou a ver lorde Riverton a estudá-lo. O nobre não participara nas pilhérias, continuando o jogo como se não estivesse ali. No entanto, quando encarou Teagan, os lábios do homem curvaram-se num sorriso subtil.

Teagan teve a nítida sensação que lorde Riverton percebera exatamente o que ele queria obter com aquela conversa.

Disparate, pensou. Posicionou o taco, respirou fundo e deu uma tacada na bola. Se a sua amiga sorte continuasse a sorrir-lhe, no próximo passeio a cavalo, os seus bolsos estariam repletos de libras. Após tratar dos negócios, Teagan poderia dar-se ao luxo de perseguir apenas o prazer… o dele e o de uma dama muito especial.