cover.jpg

portahi249.jpg

 

 

Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2011 Janet Justiss. Todos os direitos reservados.

UM CAVALEIRO DE REPUTAÇÃO DUVIDOSA, Nº 249 - Julho 2012

Título original: Society’s Most Disreputable Gentleman

Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança

com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-0570-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversión ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

 

 

Julia Justiss superou-se no seu último livro sobre um cavalheiro de reputação duvidosa, por isso não queremos desperdiçar a ocasião de recomendar este livro, não só aos amantes dos romances históricos, mas também a qualquer leitor que desfrute do género romântico.

Com um toque de humor, ironia, enredos engenhosos de amor e a dose exata de mistério, a nossa autora criou uma história de amor bonita e pouco convencional, onde o protagonista masculino vai aprendendo a conhecer-se enquanto luta para encontrar o seu lugar no mundo.

Um lugar e uma época onde ainda existem os piratas, os contrabandistas e os cavalheiros corteses.

Mas só há um homem que tem a chave do coração da nossa heroína e é um cavalheiro de reputação duvidosa.

Esperamos que este livro conquiste a imaginação de todos os nossos leitores e os perca totalmente na época da Regência como nos aconteceu.

 

Os editores

 

 

Em memória da minha mãe, que leu todos os meus livros e os mostrou sempre com orgulho nas suas prateleiras. Ela ensinou-me que uma mulher pode fazer qualquer coisa que queira.

Um

 

Uma sacudidela no seu ombro ferido fez com que Greville Anders acordasse a gemer. A dor era como uma punhalada na sua pele que percorreu todo o seu braço.

– Já chegámos, senhor. Está no seu destino, Ashton Grove – disse o cocheiro.

Tentando dominar a náusea que a dor lhe causara, Greville foi acordando pouco a pouco. Tomara láudano para aliviar a agonia de uma viagem longa. O cocheiro, vestido com libré como um lacaio, segurava a porta do veículo. Conseguiu deixar tudo para trás quando sentiu o ar frio daqueles últimos dias de inverno e desapareceu a neblina que toldara a sua mente.

Inglaterra.

Apercebeu-se de que devia estar de volta a Inglaterra. Não havia nenhum outro lugar sobre a face da Terra onde o ar tivesse aquela combinação de névoa fria e cheiro a terra húmida.

Como uma vela de barco que se enchia com o vento, a sua mente também recuperou a capacidade de pensar. Sim, estava em Inglaterra, em Ashton Grove, a casa de lorde Bronning. A casa onde, graças à intervenção do seu nobre primo, o marquês de Englemere, ia ficar depois de os seus chefes terem decidido mudá-lo do seu beliche no barco O Ilustre para a Guarda Costeira. Enquanto isso, o Ministério da Marinha devia tratar do assunto do seu recrutamento ilegal e ele tinha de aproveitar esse tempo de espera para sarar.

Infelizmente, isso significava também que ia ter de convencer as suas pernas instáveis a levá-lo da carruagem até à mansão com a esperança de que o seu estômago aguentasse e não o envergonhasse. Suspirando, saiu da carruagem, cambaleando. Era uma noite muito escura. Foi a coxear até à porta principal da casa grande. Um mordomo esperava, segurando a porta.

Aquele passeio breve fora um esforço tão grande, que sentiu o suor a encharcar a sua testa. Sentiu uma grande satisfação por ter conseguido chegar à casa. Estava a admirar o vestíbulo majestoso quando se aproximou um cavalheiro de certa idade e pouco cabelo que o cumprimentou com uma reverência.

– Senhor Anders – disse o homem, com um sorriso frio e rígido. – É um prazer dar-lhe as boas-vindas a Ashton Grove.

A expressão do cavalheiro deixou muito claro que não estava tão contente por o ver como acabara de assegurar. Teve de morder a língua para não sorrir. Além disso, distraiu-se com o som inequívoco de saias a deslizar sobre a pedra polida e sucumbiu à tentação de virar a cabeça para a esquerda, com cuidado.

O movimento, incómodo e doloroso, foi recompensado por uma visão suficientemente encantadora para conseguir fazer com que qualquer marinheiro com sangue nas veias ressuscitasse de entre os mortos. Recordou que ele próprio estivera perto de ser um desses marinheiros mortos quando O Ilustre fora atacado por um barco de piratas argelinos à frente da costa de Tunes. Mas não queria pensar nisso, não naquele instante, quando tinha uma mulher bonita à frente dele.

Pela primeira vez em muitos meses, ao observar a visão angelical de cabelo dourado e formas pequenas, despertaram certas partes do seu corpo que tinham passado muito tempo dormentes. Tinha um vestido muito favorecedor com um decote que, sem ser descarado, atraía o olhar de qualquer um para uns seios perfeitos e arredondados. Quando levantou o olhar para se fixar no seu rosto, encontrou dois grandes olhos azuis que o observavam com atenção. Tinha o nariz pequeno e uns lábios grossos e rosados que o faziam pensar num botão de rosa. Mas, então, viu que tinha o sobrolho franzido.

Conteve-se para não suspirar. Era algo que lhe acontecia com frequência. Anjos como aquela mulher costumavam olhar para ele daquela maneira.

Tentou cumprimentá-la com uma reverência, um gesto que nele era quase inato, como em qualquer cavalheiro da sua posição, mas a ligadura volumosa que ainda protegia o seu peito e a falta de equilíbrio que sofria impediram-no.

– É lorde Bronning, não é? – perguntou ao homem. – E...?

– É a minha filha, a menina Neville. Bem-vindo à nossa casa. Espero que lorde Englemere torne a sua viagem confortável, dadas as suas circunstâncias – disse Bronning, enquanto olhava para ele, preocupado.

A sua filha encantadora limitou-se a cumprimentá-lo com uma breve inclinação de cabeça e franzindo ainda mais o sobrolho. Há muito tempo que não via a sua própria cara num espelho, mas imaginou que, com as suas roupas de marinheiro sujas e velhas, uma barba descuidada e um rosto que devia estar bastante pálido por causa de uma febre persistente, não se parecia nada com o tipo de cavalheiro que a menina Neville estaria habituada a receber na mansão grandiosa do seu pai.

– Menina Neville, senhor – respondeu, com amabilidade. – Sim, lorde Englemere fez tudo o que pôde para me facilitar a viagem.

Depois da impressão tão negativa que estava a dar-lhes por causa do seu aspeto, não queria piorar ainda mais as coisas contando-lhes que mal estivera consciente no trajeto de Spithead a Portsmouth e dali até Ashton Grove, graças ao láudano que tomara.

– Quero agradecer-lhe, lorde Bronning, por receber tão amavelmente alguém que é um perfeito desconhecido para si.

– Não tem de quê – respondeu Bronning, rapidamente. – É um prazer poder fazer isto por lorde Englemere e pela sua irmã, lady Greaves. O seu marido, sir Edward, é um bom amigo. Mas não quero que continue aqui de pé e apanhe frio. Deve estar cansado depois de uma viagem tão longa. Sands vai fazer com que um criado o acompanhe ao seu quarto.

Ia ter o seu próprio quarto, não conseguia acreditar. Um quarto a sério com uma cama que não ia balançar com o movimento contínuo do barco. Supôs que teria privacidade e já não teria de partilhar o seu espaço com marinheiros ruidosos e pouco dados ao asseio pessoal.

Sentia-se no paraíso.

– Muito obrigado – disse, enquanto tentava juntar as forças necessárias para subir a escada atrás de um criado.

– Na verdade, senhor Anders – acrescentou Bronning. – Não se sinta obrigado a jantar connosco esta noite. A cozinheira adorará preparar uma bandeja com comida se preferir permanecer no seu quarto para descansar e repousar depois de uma viagem tão longa.

Descanso e repouso. Pareciam-lhe palavras celestiais e agarrou-se a elas como um homem se agarrava a um mastro depois de um naufrágio. Precisava de descanso para acabar de sarar o seu corpo e de repouso para poder esclarecer as ideias e adaptar-se à grande mudança que acabara de dar à sua vida. Passara de ser um homem de ação, envolvido em mil batalhas a bordo de um barco, a ser um convidado numa mansão inglesa elegante.

– Obrigado, senhor, talvez siga o seu conselho – replicou.

Subiu as escadas a pensar em como era irónico estar desejoso de ficar na solidão do quarto. Até há pouco tempo, faria quase qualquer coisa para evitar o aborrecimento de não ter a companhia de ninguém.

Cerrou os dentes com decisão e continuou a subir os degraus com dificuldade, tentando ignorar a fragrância floral suave da menina Neville.

Amanda Neville, quando conseguiu finalmente superar a sua surpresa inicial, sentiu-se dececionada e ofendida. Ficou a olhar para o recém-chegado enquanto subia com dificuldade a escada atrás do criado que Sands destacara para o servir.

Sentira-se contente com a ideia de receber um novo convidado em casa desde que o seu pai lhe dissera que era parente do marquês de Englemere. Esperara que se tratasse de alguém com quem depois pudesse dar-se em Londres quando fizesse finalmente a sua apresentação na alta sociedade londrina. Sonhara com a possibilidade de se tratar de um jovem atraente que podia até transformar-se em seu pretendente com o tempo. Pedira à senhora Pepys para preparar o melhor quarto de convidados e pedira à cozinheira para fazer um jantar suculento para a noite da sua chegada.

Mas ficara perplexa ao ver aquele homem entrar em casa a coxear. Não conseguira falar, limitara-se a cumprimentá-lo com a cabeça. Vestia-se como um marinheiro sujo e imundo e parecia estar gravemente ferido. Não conseguia acreditar. Não entendia porque o seu pai aceitara acolher uma pessoa daquela índole em sua casa.

Antes de ela conseguir falar, o seu pai segurou-a pelo braço e levou-a até ao seu escritório.

– Não me olhes assim, querida, deixa-me explicar – sussurrou. – É tudo por agora, Sands – acrescentou, quando passaram à frente do mordomo.

O homem observava-os com curiosidade.

– Não tinhas de o mandar embora, pai. Sei que não devemos falar de certas coisas à frente dos empregados! – protestou ela, quando entraram no escritório. – Quando me disseste que íamos ter um parente de lorde Englemere em casa, tinha imaginado alguém muito diferente. Afinal de contas, é um Stanhope, pertence a uma das famílias mais proeminentes de Inglaterra. Tens a certeza de que esse marinheiro é realmente seu primo?

– Disse que se chama Anders e chegou numa carruagem privada, tal como me disseram, portanto tem de ser ele. Embora tenha de confessar que o seu aspeto me impressionou tão pouco como a ti.

Sentou-se no sofá e o seu pai, inquieto, começou a dar voltas pelo escritório.

– Agora que penso nisso, a nota que o secretário de lorde Englemere me enviou não dizia que o senhor Anders era um oficial da Armada.

– Parece mais um rufião do que outra coisa! – exclamou ela, sentindo-se ainda indignada. – E um grande bêbado! O que vamos fazer com ele enquanto estiver em nossa casa? Tem de jantar connosco? Devíamos apresentá-lo aos nossos conhecidos?

Lorde Bronning parecia muito preocupado.

– Meu Deus, espero não ter cometido um erro terrível ao permitir que viesse... – murmurou o seu pai.

– Bom, pai, não fiques inquieto, podes adoecer – disse rapidamente e com preocupação ao recordar a saúde frágil do seu progenitor. – Senta-te aqui e deixa-me servir-te um copo de vinho – acrescentou, enquanto se levantava e lhe servia um porto. – O que é que dizia o bilhete de lorde Englemere?

– Só que o senhor Anders serviu num barco de guerra e que o enviaram de volta a Inglaterra depois de ser ferido durante uma escaramuça com corsários – respondeu o seu pai, enquanto se acomodava no sofá. – Parece que os homens que ficam gravemente feridos e não podem levar a cabo as suas funções são mudados temporariamente para trabalharem na Guarda Costeira até recuperarem. Ao ver que a nossa casa não é longe de uma das delegações da brigada, o marquês pediu-me que deixasse que o seu primo se alojasse aqui até que se sentisse melhor. E não podia negar-me. Afinal de contas, trata-se de um marquês.

Amanda mordeu o lábio inferior, pensativa.

– E, depois de alojar o tal senhor Anders no nosso melhor quarto, não vai ser fácil mudá-lo para outro. A questão é que não me pareceu que esteja em condições para estar com outras pessoas, portanto não sei se poderemos organizar jantares ou reuniões enquanto estiver aqui. Será melhor esperarmos um pouco mais para tomar esse tipo de decisões.

– Sim, penso que tens razão. Além disso, é o irmão da esposa de sir Edward Greaves e, depois daquele incidente infeliz da primavera passada, preferia não fazer nada que pudesse ofender sir Edward.

Sentiu que corava ao recordá-lo.

– Lamento muito, pai.

Sorrindo com carinho, o seu pai acariciou-lhe o braço.

– Não te preocupes, querida. Não é culpa tua que sejas tão bela e agraciada. É normal que nenhum cavalheiro seja capaz de resistir aos teus muitos encantos.

Sentiu-se um pouco culpada, mas não corrigiu o seu pai. A verdade era que se arranjara com especial interesse quando, no ano anterior, depois da reunião agrícola em Holkham Hall, o seu pai convidara um cavalheiro de quem falava com frequência, dizendo que era um dos agricultores de ideias mais avançadas de toda a Inglaterra.

Embora ainda se envergonhasse bastante ao recordá-lo, a sua ideia fora namoriscar com ele com o fim de aproveitar uma das poucas oportunidades com que contava para praticar esse tipo de coisas.

O que não podia ter imaginado era que o tranquilo sir Edward, que só lhe falara de colheitas e campos, teria sensibilidade suficiente para se apaixonar por ela.

Surpreendera-a saber, depois de sir Edward se ir embora de maneira repentina, que o cavalheiro falara com o seu pai para lhe pedir a sua mão. Felizmente, sabendo que a última coisa que queria era casar-se com um cavalheiro como aquele e desperdiçar o resto dos seus anos sem sair do campo, o seu pai poupara-lhe a tarefa embaraçosa de ter de ser ela a rejeitar a proposta.

Sentira-se muito melhor ao saber que sir Edward se casara seis meses depois daquele incidente. Pensou que não devia ter estado muito apaixonado por ela se fizera algo parecido.

De todos os modos, lamentava que o seu namorico tivesse feito com que a amizade que o seu pai tinha com aquele homem fraquejasse.

– Certamente, pai, estou desejosa de fazer com que consigas melhorar a tua relação com sir Edward e superar qualquer mal-entendido entre os dois. Na verdade, sabes quanto tempo ficará o nosso convidado? Suponho que não esperas que trate pessoalmente das suas feridas nem me encarregue dos seus cuidados.

– É óbvio que não! – assegurou-lhe o seu pai. – Não só seria pouco apropriado, como nunca te pediria para fazeres uma coisa que nos traria muito más lembranças.

Ambos ficaram em silêncio. Embora o seu pai quisesse, não conseguiu evitar pensar na primavera e no verão terríveis que tinham passado no ano anterior. Recordou o rosto da sua mãe corado pela febre e a sua tia Felicia a delirar por causa da doença. E nos olhos das duas, a sombra da morte.

Abanou a cabeça para não pensar mais nisso e, ao ver que o seu pai mudara de expressão, soube que ele também estivera a recordar esses meses. A preocupação de há alguns minutos transformou-se em tristeza. A sua própria saúde também se ressentira com a dor de perder a sua esposa e a sua irmã. E sabia que ainda não recuperara.

Antes de conseguir dizer alguma coisa que o distraísse, ele começou a falar.

– O senhor Anders pode ficar o tempo que quiser. Se virmos que requer mais cuidados, falarei com o doutor Wendell para que aconselhe um médico que possa encarregar-se dele. Mas não te preocupes, querida – disse o seu pai, acariciando a sua mão. – Independentemente do tempo que passar na casa, prometi à tua querida mãe que não adiaria mais a tua apresentação à sociedade. Sei que o esperas com ansiedade. Passaste muito tempo à espera e fizeste-o de maneira muito paciente.

Amanda sorriu e tentou concentrar-se no acontecimento feliz. Ia ser apresentada em Londres naquela primavera. Não sabia se devia atrever-se a sonhar com esse dia depois de ter passado tanto tempo à espera. A sua mãe e ela tinham organizado tudo, mas esse momento tivera de ser adiado mais de uma vez por causa de uma série de acontecimentos infelizes. Às vezes, chegara a dar-lhe a impressão de que o destino estava a conspirar contra ela para que não pudesse ter a oportunidade de realizar nenhum dos seus sonhos.

Com o seu último fôlego, a sua mãe fizera-a prometer que iria naquele ano a Londres, acontecesse o que acontecesse. Portanto, cada vez tinha mais esperança de que esse dia acabasse por chegar.

Sonhava com estar finalmente em Londres, a cidade inglesa mais importante, onde não ia ter de ler o que se passava nos jornais com vários dias de atraso. Em Londres, o seu futuro marido, um homem influente, sentar-se-ia no parlamento com os lordes para os ajudar a gerir os assuntos da nação. Apoiado, certamente, pela sua esposa encantadora, cujos jantares, festas e bailes conseguiriam reunir as pessoas mais importantes do reino, onde falariam de política enquanto bebiam conhaque e as damas sussurrariam com as suas bocas escondidas por trás dos leques.

Se nada o impedisse, ia poder estar lá algumas semanas mais tarde. Sentia-se tão ansiosa, que estes últimos dias de espera lhe pareciam muito longos.

Abriu-se a porta do escritório e entrou a sua prima Althea.

– Já está aqui? Perdi-o? – perguntou a jovem.

Amanda mordeu a língua para não lhe recordar que não era decoroso que uma menina entrasse daquela maneira num salão. Não demorara a ver, assim que Althea se mudara para Ashton Grove pouco antes da morte da sua mãe, a tia Felicia, que a sua prima mudara muito. Althea costumava segui-la para todo o lado como um cachorrinho. Mas mudara e parecia tentar contrariá-la a toda a hora.

Como costumava fazer, o seu pai ignorou a indelicadeza da rapariga.

– De quem falas, querida? – perguntou à sua sobrinha.

Tornara-se muito mais indulgente desde que ficara viúvo e costumava ser bastante condescendente com a sua prima. Por muito mal que se portasse, nunca reprovava a sua conduta, embora ela pensasse que Althea precisava de ser repreendida e que ele seria o único capaz de corrigir o seu comportamento deficiente.

– De quem havia de ser? Do senhor Anders, o marinheiro! – respondeu Althea. – Chegou, não foi? Vi que os empregados levavam uma carruagem elegante para os estábulos!

Não gostava nada da forma como falava, mas conteve-se mais uma vez para não a corrigir.

– Receio que já não esteja aqui. O senhor Anders chegou recentemente e acabou de ir para o quarto.

– Raios! – exclamou a sua prima. – Suponho que terei de esperar pela hora do jantar para o conhecer.

Teve um mau pressentimento que a fez esquecer a preocupação que sentira há alguns minutos ao pensar em como os seus conhecidos e vizinhos reagiriam ao conhecer o senhor Anders. Preocupava-a ainda mais do que o facto de Althea, que parecia estar desejosa de a contrariar em tudo, decidir travar amizade com aquele marinheiro sujo. Considerando o seu comportamento, pareceu-lhe o tipo de coisa que podia fazer.

Embora não costumasse desejar mal algum a ninguém, sentiu-se aliviada ao saber que, pelo menos naquela noite, o senhor Anders não estava em condições para jantar com eles.

– Não penso que desça para jantar, Althea. Pareceu-me que estava muito cansado depois de uma viagem tão longa.

– Cansado de viajar confortavelmente numa carruagem? Não posso acreditar! – exclamou Althea. – É um marinheiro! Aposto que o senhor Anders navegou no seu barco durante horas no meio de tempestades fortes e sobreviveu a comer pão duro e pouco mais. Não penso que queira perder a oportunidade de jantar connosco.

Teve de morder novamente a língua ao ouvir a sua linguagem pouco delicada.

– Imagino que o faria se não tivesse ficado ferido numa batalha e ainda estivesse a recuperar.

– Ferido numa batalha? – repetiu Althea, com entusiasmo. – Excelente! Onde? Quando?

– Penso que foi à frente da costa de Tunes há algumas semanas – respondeu o seu pai.

– Que interessante! É um herói! Estou desejosa de lhe pedir para nos contar como aconteceu. Estou contente por poder finalmente falar com uma pessoa realmente interessante, alguém que teve aventuras verdadeiras, alguém que saiba falar de mais do que vestidos, lojas e Londres – declarou, enquanto olhava para ela com altivez. – Tio James, tens algum livro na tua biblioteca sobre a Marinha? – acrescentou, olhando para lorde Bronning. – Bom, não se preocupem, irei procurá-lo.

E saiu sem dizer mais nada, com tão pouca cerimónia como mostrara com a sua entrada.

Quando ficaram sozinhos, olhou para o seu pai nos olhos.

– Pai, tens de lhe dizer que tem de ter cuidado com o senhor Anders ou acontecerá como com lorde Nelson.

– Eu não gostaria que o fizesse contar-lhe como é a vida desses marinheiros nos seus barcos. Não são coisas que uma dama deva ouvir – assentiu o seu pai.

– Sei que te compadeces dela. Perdeu a sua mãe pouco tempo depois de ficar sem o seu pai, mas devias aconselhá-la. Eu não me atrevo a dizer-lhe nada por medo de que o aceite imediatamente como um desafio e decida passear-se com ele à frente dos vizinhos.

O seu pai assentiu com a cabeça.

– É verdade que parece decidida a contrariar-te em tudo. E não entendo porquê. Quando Felicia nos visitava e eram apenas crianças, Althea costumava seguir-te para todo o lado e tentar imitar-te.

Suspirou ao ouvi-lo. A atitude da sua prima não fora tão dolorosa como outras coisas que lhe tinham acontecido naquele último ano, mas só servia para a entristecer.

– Pai, tentei ser atenciosa. Não sei porque me trata assim. Penso que talvez tenha criticado muito a sua conduta quando chegou, a verdade é que não me lembro bem, mas com a tia Felicia doente, isto era uma casa de loucos. E depois a mamã também adoeceu...

– Não digas isso, filha, não é culpa tua – disse o seu pai, acariciando-lhe o braço. – Portaste-te muito bem então, ocupando-te da casa para que a tua querida mãe pudesse cuidar de Felicia... Foste forte e capaz, não podia estar mais orgulhoso de ti. Mas Althea é jovem e talvez não goste que tenhas autoridade sobre ela quando são quase da mesma idade. Quando chegou, estava destroçada e muito compungida. Como todos...

Os seus olhos encheram-se de lágrimas ao recordá-lo.

– É verdade, pai.

O seu pai pensava que era forte, mas, na verdade, fora um esforço sobre-humano carregar o peso da casa. Ainda tentava recuperar.

Estava desejosa de sair de Ashton Grove, uma casa cheia de problemas e lembranças tristes, e ver-se em Londres rodeada de diversão e distrações.

Embora o seu irmão mais novo tivesse chegado há pouco tempo a casa para acrescentar mais lenha à sua preocupação, Althea era o seu problema principal. Depois de a sua mãe morrer, a última pessoa com que quisera preocupar-se fora com Althea e imaginara que a jovem teria percebido esse sentimento de alguma forma, o que só servira para piorar as relações tensas entre ambas.

Triste, apercebeu-se de que passara a vida muito protegida. A sua mãe e a sua avó tinham-na protegido muito. Sentira-se muito amada e a sua vida fora feliz, algo de que presumira até às catástrofes dos dois últimos anos.

A sua avó fora a primeira a falecer, depois a sua tia Felicia e a sua mãe. Sentira a falta de estar na companhia de outras mulheres. Só tinha a sua prima e com ela não se dava muito bem.

Era por isso que estava desejosa de ir a Londres. Ia alojar-se em casa de lady Parnell, uma boa amiga da sua mãe que conhecia desde a sua infância. Ela fora apresentada à sociedade com a sua mãe e gostava da ideia de a acompanhar nesse momento da sua vida. Acreditava que poderia aliviar um pouco a sua tristeza e preencher o vazio deixado pelas perdas devastadoras daqueles dois últimos anos.

– Então, vais falar com Althea? – pediu-lhe. – É pelo seu próprio bem, pai. O que diria a tia Felicia se visse que a deixas começar uma amizade que não é recomendável com esse marinheiro?

– Sim, suponho que devia deixar as coisas claras e assim o farei. Mas com amabilidade...

Sentiu um aperto no coração ao ver que o seu pai era boa pessoa. Não pôde evitar esboçar um grande sorriso.

– Só te peço que a guies, pai. Sei que seria impossível zangares-te com ela, por muito que o mereça.

– Penso que fui muito indulgente, mas tens razão. É a minha responsabilidade. Devo-o à minha querida irmã. Encarregar-me-ei de proteger a sua filha e dar-lhe bons conselhos.

– O melhor será não estar presente quando falares com ela. Aceitará melhor o que lhe disseres se eu não estiver envolvida na conversa. Bom, será melhor ir falar com a cozinheira e dizer-lhe que há uma mudança de planos.

– Eu acompanho-te – disse o seu pai, enquanto segurava a sua mão. – Uma das minhas melhores éguas está quase a parir. Vou aos estábulos para ver como está.

Aceitou o braço que o seu pai lhe oferecia e saíram juntos para o vestíbulo. Depois de falar com ele, sentia-se um pouco mais tranquila no que dizia respeito à sua prima. A jovem parecia desprezá-la tanto que pensava que o mais inteligente era deixar tudo nas mãos do seu pai.

Tinham acabado de chegar ao vestíbulo quando se abriu a porta principal com tanta violência que bateu na parede. George, o seu irmão, entrou a cambalear. Um criado correu para recolher o seu casaco, mas George impediu-o com um gesto.

O seu pai parou e olhou para o seu único filho com preocupação.

– George, o que se passa? Estás ferido?

Tinha a cara vermelha e os olhos frágeis. Viu que estava despenteado e mal vestido. Parecia ter estado numa luta, mas então sentiu um cheiro forte a licor.

Passou da preocupação para o aborrecimento em poucos segundos. Recordou que o seu irmão não jantara com eles na noite anterior. Imaginou que teria passado o dia fora, a beber e a jogar em alguma taberna.

Olhou para o seu pai e viu que pensava o mesmo que ela. Parecia um pouco triste e levou uma mão ao peito.

Zangou-a ter de se ver naquela situação. Não entendia como o seu irmão podia ser suficientemente estúpido para chegar a casa naquele estado. Era como se estivesse a tentar dececionar e preocupar o seu pai de propósito.

– Pai, porque não vais aos estábulos para ver como está a égua? Eu acompanharei George até ao seu quarto. Vamos, agora – disse ao seu irmão, com firmeza.

Conseguiu manter um tom neutro quando o que queria era gritar e reprová-lo pela sua atitude.

Deu-lhe um beliscão no braço ao agarrá-lo e levou-o para a escada. Fez um gesto ao seu pai com a cabeça para que não se preocupasse, mas o seu progenitor não parecia saber o que fazer. Com esforço, conseguiu fazer com que subisse a pouco e pouco.

– Espero que não me contagies com alguma doença horrível enquanto tenho de te levar de rastos para o teu quarto – disse, quando finalmente o conseguiu. – Como podes continuar bêbado a estas horas da tarde?

– Não estou bêbado – replicou ele, falando com dificuldade. – Só um pouco alegre... Mais nada.

– Não era suficiente que o pai tivesse de ver como te expulsavam temporariamente de Cambridge por causa de uma brincadeira estúpida? – perguntou, furiosa, sem conseguir aguentar mais. – Tens de o envergonhar à frente dos empregados cada vez que chegas neste estado? Porque não pensas um pouco mais nos outros e não só em ti próprio?

George tapou as orelhas com as mãos e fez uma careta de dor, como se o tom da sua voz lhe desse dores de cabeça. Esperava que fosse esse o caso.

– Pelo amor de Deus, Amanda. Althea tem razão, transformaste-te numa víbora. Será melhor adoçares um pouco. Nenhum cavalheiro vai querer viver com uma mulher que está sempre a dar ordens e a protestar.

Sabia que tinha o direito de estar zangada, mas as suas palavras conseguiram magoá-la. Não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. Althea via-a como uma espécie de bruxa impaciente, quando fora exatamente isso que tentara evitar.

Antes de conseguir pensar numa resposta, George gemeu e inclinou-se para a frente. Teve pouco tempo para tirar o urinol de baixo da cama e dá-lo ao seu irmão para que pudesse vomitar.

Enjoada, afastou-se dele.

Quando acabou, George sentou-se na cama e limpou a boca.

– Agora já estou melhor. Chama Richards, por favor. Penso que lhe pedirei um bife e uma água tónica.

– És repugnante! – exclamou, sem conseguir evitá-lo.

– E tu és uma víbora – replicou o seu irmão, com um sorriso.

Embora estivesse furiosa com ele, tinha de reconhecer que tinha um sorriso encantador. Estava certa de que ia partir muitos corações.

– Se és incapaz de controlar os teus vícios, tem pelo menos a cortesia de usar a porta dos empregados e as escadas de trás para entrar e sair e evitar que o pai te veja neste estado. Não percebes que ainda não recuperou da morte da mãe?

– Algum de nós recuperou? – replicou George. – O que queres que faça, Amanda? – acrescentou, com um sorriso. – Aqui aborreço-me. Não há nada para fazer. Estamos no meio do campo. A bebida e o jogo numa das duas tabernas que há perto da casa são a única coisa que resta. Eu adoraria ir para algum lugar onde o meu modo de vida reprovável não te ofendesse, mas o pai não me deixa esperar em Londres até começar o próximo ano na universidade.

– Porque queres ir para Londres? Para gastar mais dinheiro nos teus vícios? Nada disso! O que devias estar a fazer era a estudar para que não estejas muito atrasado quando voltares para Cambridge.

George gemeu ao ouvi-lo.

– Meu Deus, como pude suportar viver num lugar como este durante tantos anos? Só há prados, quintas e vacas por todo o lado! Comparado com este sítio, aqueles livros estúpidos da universidade parecem-me quase uma distração bem-vinda.

– Falas de prados, colheitas e animais que estão em perfeitas condições graças ao trabalho do pai. É assim que pode permitir-se que estudes numa universidade tão seleta. Se prestasses mais atenção a esses livros e menos aos teus amigos, não terias de te ver agora neste lugar aborrecido.

George olhou para ela com os olhos semicerrados.

– Desde quando és tão desmancha-prazeres? – perguntou-lhe.

– Quando vais ser merecedor do apelido Neville? – perguntou ela.

Ainda lhe doía que o seu pai tivesse tido de o ver naquele estado. Já era bastante complicado para ela ocupar-se do seu progenitor para ter de lidar também com o seu irmão.

– O que devias fazer era começar a mostrar um pouco de interesse pelas propriedades de que o pai cuidou com tanto esmero para que pudesses herdá-las algum dia e deixar de sair todas as noites com rufiões e meter-te em problemas.

Viu que conseguira zangá-lo. George olhou para ela fora de si e abriu a boca para protestar, mas mudou de opinião.

– Afinal de contas, penso que não vou jantar – murmurou, enquanto se aproximava da bacia.

Apercebeu-se de que estava prestes a vomitar novamente e decidiu que não era o melhor momento para conversar com ele.

– Direi a Richards para vir – disse, enquanto tentava acalmar-se.

Encontrou-se com o criado no corredor, onde devia ter estado à espera. Imaginou que o mordomo já teria comentado como George tinha chegado.

– Receio que esteja bêbado. Será melhor trazer água quente para se lavar.

Não conseguiu evitar sentir uma certa pena pelo empregado. Desceu as escadas e teve de parar uns segundos no patamar para esfregar as têmporas. Tinha uma dor de cabeça forte.

Era muito difícil ter de lidar todos os dias com o seu irmão irresponsável e a sua prima mal-humorada. Além disso, devia cuidar do seu pai, que já não se parecia em nada com o homem forte e saudável que fora. Não era de estranhar que sonhasse sair de Ashton Grove e perder-se na frivolidade de Londres.

Ali, o seu dilema mais complicado consistiria em escolher o vestido que devia usar para cada ocasião e o seu problema mais premente seria conseguir encaixar na sua agenda apertada todos os eventos para que ia ser convidada. Os seus dias estariam tão cheios de atividades que não lhe custaria dormir assim que se deitasse na cama. Já não ia ter de ficar durante horas acordada na cama, tendo saudades do amor e da segurança que tão bruscamente lhe tinham arrebatado.

Esperava que a sua apresentação à sociedade fosse brilhante e conseguisse um marido que a mimasse e adorasse. Sonhava transformar-se na esposa de um político e passar o resto da sua vida em Londres.

Só esperava que o seu novo hóspede não tornasse ainda mais difíceis as suas últimas semanas no campo antes de chegar o momento de ir para a capital.

Dois

 

«Com um grito quase animal, o marinheiro atirou a escada de corda de embarque para o barco pirata. Greville conseguia sentir o medo, mas a adrenalina percorria as suas veias e precipitou-se para a abordagem do barco inimigo. Lá, a batalha já tinha alcançado proporções sérias. Cheirava a sangue, que tingia a coberta de vermelho, e a pólvora. Viu um dos piratas a precipitar-se para o capitão com a espada ao alto e um ar assustador e sanguinário no rosto...»

Greville acordou de repente. O seu coração estava acelerado. Deixou de ouvir os gritos e os tiros. Apercebeu-se de que o quarto estava em silêncio, só se ouvia o barulho do relógio e a luz quente do sol entrava pelas janelas. Deu-lhe a impressão de que era o sol da manhã. Demorou alguns segundos a recordar onde estava.

Era um quarto grande e elegante, estava em Ashton Grove, na mansão que lorde Bronning tinha em Devonshire. Ouviu uma tosse discreta e virou-se para o som. Um criado esperava junto da porta com uma bandeja nas mãos.

– Bom dia, senhor – disse o jovem, com uma breve reverência. – Sands pediu-me para lhe trazer um pouco de comida. Pensou que, depois de tantas horas, já estaria acordado.

– Dormi muito? – perguntou, confuso.

– Sim – replicou o jovem. – Toda a primeira noite, o dia seguinte e hoje quase até ao meio-dia. Algumas empregadas estavam muito preocupadas, pensando que estaria faminto e que a sua saúde corria perigo. Mas a senhora Pepys, que é a governanta, tem um pouco de formação como enfermeira e disse-nos que, se continuasse a respirar de forma constante e regular, não ia morrer e que lhe convinha descansar.

A verdade era que se sentia muito melhor. Pela primeira vez desde que ficara ferido, e isso fora há já mais de um mês, a febre não o acordara.

E apercebeu-se de que, além disso, estava faminto. Bastou-lhe pensar no que o criado teria naquela bandeja para sentir água na boca.

– Tens razão, estou faminto – disse ao criado.

– Quer que lhe ponha a bandeja na cama, senhor?

– Sim, perfeito. Obrigado...

– Luke, senhor – disse o jovem. – Sands pediu-me para o ajudar a vestir-se, se o considerar necessário.

– Eu gostaria de tomar um banho depois de comer, podias prepará-lo? Então verei se preciso da tua ajuda. Já agora, podias pedir umas ligaduras à governanta para que possa proteger a ferida depois do banho?

– É óbvio, senhor – disse o criado, enquanto deixava a bandeja à frente dele. – Irei preparar o banho. A sua irmã, lady Greaves, enviou um baú com um bilhete em seu nome. Está ao lado da lareira.

Greaves? Nem sequer sabia qual das suas irmãs tinha esse apelido.

Depois de passar tanto tempo longe de Inglaterra e com um trabalho tão árduo para o qual não tivera nenhuma preparação, parecia-lhe incrível que fizesse parte de uma família a sério. Mal imaginava uma vida para além da que tivera no Ilustre. Embora a verdade fosse que nunca dera muita atenção aos seus familiares, nem sequer antes de o tirarem contra a sua vontade de Inglaterra.

Sentiu-se culpado. Mal parava para pensar na família que o tinha mimado e protegido durante os primeiros dezasseis anos da sua vida, antes de o seu pai e as suas irmãs se irem embora para a Índia e o deixarem em Cambridge. Durante esse tempo, só entrara em contacto com o seu pai para que usasse os seus contactos no exército e o ajudasse a servir durante a campanha de Waterloo. Depois, quando decidira que precisava de um bom emprego para poder sustentar-se, pedira ajuda ao seu primo, o marquês.

Franziu o sobrolho ao recordá-lo, ainda tinha coisas para esclarecer. Queria saber porque fora recrutado contra a sua vontade.

– Dá-me a carta antes de saíres, por favor – pediu ao criado. – Posso ocupar-me mais tarde do baú.

Luke fez o que lhe pedira e saiu do quarto com outra reverência. O seu estômago recordou-lhe que passara muitas horas sem comer nada. Só recordava ter devorado rapidamente uma espécie de estufado que tinham trazido para o seu quarto pouco depois da sua chegada. Deixou a carta de lado, não tinha tanta pressa para descobrir qual das suas irmãs se transformara na misteriosa lady Greaves. Antes de mais nada, queria comer alguma coisa.

Levantou a tampa e descobriu ovos fritos, bacon, bifes de vitela, batatas e presunto. Também lhe tinham servido um café quente. Fechou os olhos e inalou os cheiros deliciosos. Passara oito meses sem desfrutar de uma refeição assim, desde que saíra de Inglaterra.

Pareceu-lhe delicioso. Não recordava ter provado algo tão bom. Mas sabia que, depois de tantos meses em alto-mar, a cozinheira de lorde Bronning não ia precisar de se esforçar muito para o impressionar.

Pouco tempo depois, com o estômago cheio, pegou na carta e abriu o envelope. Deu-lhe uma olhadela rápida enquanto desfrutava do café. Viu que fora Joanna que tivera a deferência de lhe enviar um embrulho. Era a sua irmã mais velha, ficara viúva e voltara a casar-se. Recordou ter recebido uma mensagem dela quando começara o seu trabalho como administrador das propriedades de Blenhem Hill. Tentou recordar a família Greaves, mas não lhe parecia familiar. Mesmo assim, vendo que a sua irmã usava o título de lady, imaginou que o seu segundo casamento fora muito vantajoso. Mais do que o primeiro, quando se casara com um filho da importante família Merrill, mas não com o primogénito.

Supôs que estaria acima da sua anterior família. Recordou que alguns tinham olhado para ela por cima do ombro, por isso, alegrava-se muito por a sua situação ter melhorado.

Se o seu pai e o resto da família ainda continuassem na Índia, não tinha motivos para pensar que tinham regressado a Inglaterra, imaginou que teria sido a própria Joanna que, depois de não saber nada dele, resolvera o mistério do seu desaparecimento e convencera o seu primo, lorde Englemere, a procurá-lo.

Depois de o terem despedido do seu trabalho como administrador de Blenhem Hill por causa da sua incompetência e por desfalque, a primeira acusação merecida, a segunda não, duvidava muito de que tivesse sido o seu empregador, o próprio Englemere, a perceber o seu desaparecimento ou a importar-se.

Sabia que Englemere interviera. Só um homem com a influência e o prestígio de um marquês, alguém respeitado pela presidência do Ministério da Marinha, poderia ter pedido que o mudassem. Porque sabia que o capitão do Ilustre se recusara a fazê-lo.

Se estava certo e fora Joanna, perguntava-se como teria conseguido descobrir o seu sequestro. Na carta, não comentava nada, limitava-se a contar-lhe que se sentia muito aliviada por o ter de volta a Inglaterra e que esperava que as roupas que lhe enviava no baú lhe servissem.

Sentiu-se novamente culpado. Submerso nos seus próprios interesses, nem sequer lhe tinha passado pela cabeça usar os seus bons contactos, adquiridos sobretudo durante os seus anos em Cambridge, para tentar ajudar a sua irmã durante o seu primeiro casamento e conseguir fazer com que fosse aceite pela família do seu marido. O gesto de Joanna conseguira emocioná-lo e lamentou não a ter ajudado quando mais precisava dele.

Decidiu que iria visitá-la e a ideia atraiu-o mais do que teria suspeitado. Sentia-se um homem novo e queria descobrir o valor da família, algo que a sua irmã parecia conhecer com clareza. Fora sempre a ovelha negra, mas estava disposto a mudar.

Estava a pensar nisso quando alguém bateu à porta. A porta abriu-se e apareceram Luke e outros dois criados com uma grande banheira de cobre. Deixaram-na à frente da lareira e foram entrando mais criados com baldes cheios de água quente.

Ao ver o vapor a sair da banheira, apercebeu-se de como desejava entrar nela, quase como se esperasse encontrar uma bela sereia entre aquelas águas.

Bom, possivelmente nem tanto. Embora sentisse a falta dessa parte da sua vida, sabia que ainda não estava fisicamente preparado para desfrutar desse tipo de prazeres e que o seu corpo precisava mais de receber os benefícios de um banho quente sem a presença de uma mulher bela e jovem.

– Precisa que o ajude a entrar na banheira, senhor? – perguntou-lhe Luke.

– Penso que consigo fazê-lo sozinho. Quando sair, há alguém que possa barbear-me e cortar-me o cabelo?

– Eu tenho jeito para isso, senhor – replicou o criado. – Penso que poderia ajudá-lo.

Sorriu ao ouvi-lo. Imaginou que lorde Bronning contaria com os serviços de um mordomo, mas não era de estranhar que não tivesse querido encarregar-se dele tal como aparecera há dois dias na ombreira de Ashton Grove.

Lembrou-se do seu próprio mordomo, perguntando-se o que teria pensado o homem ao ver que não aparecia na sua moradia de Londres depois de deixar o seu emprego em Blenhem Hill de maneira inesperada.

– Obrigado, Luke. Aviso-te quando estiver pronto.

Os criados saíram e ele levantou-se lentamente da cama, despojou-se da camisola que alguém lhe vestira quando chegara à casa e tirou com cuidado a ligadura que rodeava o seu peito. Foi para a banheira e entrou devagar na água. Sentou-se, apoiou a cabeça e suspirou, feliz.

Durante alguns minutos, deixou que a sua mente vagueasse, sem pensar em nada. Depois, prometeu-se que nunca mais voltaria a andar pela vida ignorando os prazeres simples como um bom prato de comida e um banho quente. Depois de viver aqueles meses em alto-mar e sempre em perigo, saboreava mais esses momentos.

Recordando todos os prazeres de que sentira a falta, pensou no belo rosto da filha do seu anfitrião.

Pensava que sentira muito a falta da companhia de mulheres durante a sua aventura involuntária. Quer fossem altas, baixas, magras ou rechonchudas, tímidas, doces ou mesmo respondonas, gostava de todas. É óbvio, o que mais apreciava era o momento de euforia indescritível com que culminava um encontro íntimo, mas também tinha sentido a falta de estar simplesmente em companhia feminina.

Não se incomodava sequer com as que nunca se calavam. Quando se encontrava com damas dessas características, limitava-se a desfrutar das suas vozes suaves, do movimento dos seus seios com cada respiração ou do seu cheiro doce. Gostava de admirar os seus olhos, uns lábios que atraíam a sua atenção ou as curvas que escondiam ou sublinhavam com os seus vestidos.

Perguntou-se se a menina Neville seria faladora. Não parecera. Dera-lhe a impressão de que era a senhora da casa, a encarregada de administrar a mansão e a anfitriã. Fora por isso que olhara para ele com certa desconfiança.

Sorriu ao perceber que se tornara perspicaz durante o seu tempo no barco. Passara de ser um senhor habituado a ser servido a ter de receber e acatar ordens. Em pouco tempo, tinha desenvolvido um sexto sentido especial para discernir quem tinha autoridade e quem carecia dela.

Preferia usar esse novo talento para estudar uma dama, sobretudo se se tratasse de uma dama tão bela como a menina Neville.

Era esbelta e pequena, imaginou que as suas madeixas douradas ficariam por baixo do queixo se chegasse a abraçá-la. Pensou em como seria fazê-lo e deixar que o embriagasse o cheiro doce de uma mulher, acariciar o seu rabo redondo com uma mão enquanto com a outra segurava um dos seus seios.

As suas mãos desejavam voltar a tocar desse modo numa mulher e sentiu que o seu membro despertava ao recordar quanto tempo passara sem estar com uma.

Agradou-o ver que o seu corpo começava a recuperar, mas decidiu que era melhor não pensar nesse tipo de coisas. No passado, adorara seduzir qualquer jovem que se prestasse a isso, mas sabia que a menina Neville era diferente. Fora criada com outro tipo de valores e era a filha do seu anfitrião. Não se dedicava a roubar a honra a jovenzinhas.