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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2005 Janet Justiss.

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

A cortesã, n.º 151 - Fevereiro 2014

Título original: The Courtesan

Publicada originalmente por HQN™ Books

Publicado em português em 2008

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5024-8

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Um

 

– Então, Jack! Antigamente estavas sempre disponível para uma brincadeira.

Jack Carrington, capitão do Primeiro Regimento de Cavalaria, olhou por cima do monte de roupa para o jovem dândi que lhe falava da soleira da porta.

– Eu também fico contente por te ver, Aubrey, e embora aprecie o teu entusiasmo pela minha companhia, que te leva a vir procurar-me antes de tomar o pequeno-almoço, não me interessa ir a lado nenhum. Cheguei a Londres muito tarde ontem à noite e, como podes ver, ainda não acabei de me instalar. Esse passeio não pode esperar?

Aubrey Ludlowe atravessou a divisão, sem perder nenhum do seu entusiasmo, e serviu-se de um copo de cerveja que havia em cima da secretária.

– Não pode esperar. Além disso, porque queres desfazer a bagagem? O teu criado pode tratar disso.

– Mandei o que me acompanhava de volta para a minha família assim que desembarcámos e ainda não tive tempo de encontrar um substituto.

Aubrey mexeu a mão no ar.

– Então deixa isso para o novo criado que contratarás. Falta pouco tempo para a aula e, se não chegamos cedo, os melhores lugares já estarão ocupados.

Jack, surpreendido, acabou a sua cerveja de um gole.

– Queres que eu saia de casa ao amanhecer para assistir a uma aula? Quando é que desenvolveste tanto entusiasmo pela educação? Não foi quando estávamos em Oxford, de certeza.

Aubrey pousou o copo sobre a mesa com uma expressão de dor.

– Aqui não se trata de aprender tolices nos livros. Não, isto é mais importante. De facto, é o mais importante que agora há em Londres, uma vez que ainda não começou a temporada. Todos os cavalheiros da alta sociedade estarão presentes. Como sou teu amigo, não quero que percas esta oportunidade.

Jack olhou para ele.

– Uma aula é o mais importante que acontece agora em Londres? – perguntou, tentando perceber. Inclinou-se para a frente para sentir a respiração do seu amigo. – Estás bêbado, Aubrey?

O seu amigo soltou uma gargalhada, aparentemente muito menos ofendido pela insinuação de que pudesse estar bêbado às sete da manhã do que pela insinuação de se ter afeiçoado ao estudo.

– Não, embora não me importe de começar o dia com um gole de cerveja para animar o espírito. Também não me importaria de comer um bom bife, mas não temos tempo. Podes ir com o uniforme do regimento, visto que já o tens vestido, mas vamos já. O professor de esgrima fecha as portas às sete e meia.

– Estás a apressar-me para ir assistir a uma aula de esgrima? – uma visão repentina ocupou a cabeça de Jack: fumo, gritos, o som dos mosquetes. – Não, obrigado – respondeu com voz sombria. – A minha habilidade com a espada está óptima. Rogo a Deus que nunca mais tenha de voltar a demonstrá-la.

O seu amigo ficou sério.

– Ámen. Ouvi dizer que Waterloo foi um massacre terrível. Mas eu proponho uma luta muito diferente... e garanto-te que gostarás. Confia em mim. Alguma vez te enganei?

Jack recordou uma lista longa de façanhas duvidosas desde a infância até à universidade e sorriu.

– Com frequência.

– Pois desta vez não – Aubrey sorriu. – Se achares que te enganei, poderás vingar-te da forma que quiseres, mas tenho a certeza de que agradecerás a minha insistência para que venhas. Isto é uma experiência única. Tens de ver com os teus próprios olhos.

– Oh, muito bem! – respondeu Jack, com curiosidade. Arranjou a camisa e vestiu o casaco do uniforme. – Para compensar o facto de ir tão mal arranjado, terás de me convidar para tomar o pequeno-almoço.

– Imediatamente depois da esgrima – prometeu o seu amigo. – Mas despacha-te. Tenho uma carruagem à nossa espera.

Jack seguiu-o pelo corredor.

– Porque te hospedaste no Albany? – perguntou Aubrey, quando desciam as escadas. – Dorrie vai ser apresentada à sociedade este ano, não vai? Porque não te instalas na mansão familiar?

– A mamã e Dorothy só virão para Londres daqui a um mês. Sabes que o velho Quisford não sairá de Carrington Grove enquanto a família não sair nem confiará a um subordinado a abertura da sua casa aqui. Mencionei que ia ficar em casa de Grillon até à chegada da minha família e um companheiro oficial cujo regimento continua ainda em Paris ofereceu-me os seus aposentos no Albany.

– Ficarás em Londres até a tua família chegar? – perguntou Aubrey quando subiam para a carruagem.

– Ficarei apenas o tempo suficiente para vender umas coisas, comprar roupa nova e consultar os nossos advogados e depois irei respirar o ar do campo e deixar-me mimar pela minha mãe e por Dorothy.

– Se é que têm tempo para ti – Aubrey fez sinal ao cocheiro para que iniciasse a marcha. – Quando apresentaram a minha irmã à sociedade, houve tantos preparativos que dava a impressão de que iam formar um exército. Voltarás com elas para a temporada, não é?

– Sim, assim que tratar da sementeira da Primavera com Ericson. Prometi a Dorrie que a levaria a festas, que lhe apresentaria os meus companheiros do exército e que me certificaria de que só conheceria solteiros que valham ouro. O que te exclui – acrescentou Jack com um sorriso.

– De qualquer modo ela não se interessaria por mim. Conhecemo-nos desde pequenos – replicou Aubrey. – Além disso, não pretendo comprometer-me já.

– Pois eu, como tenho de a acompanhar aos eventos da alta sociedade, penso ter os olhos bem abertos. Talvez encontre uma beleza que me convença a assumir um compromisso.

Aubrey soltou uma gargalhada de incredulidade.

– Estou a falar a sério – continuou Jack. – Quando sais ileso de uma batalha de fogo de mosquetes e de artilharia, começas a pensar na tua própria mortalidade. Talvez tenha chegado o momento de cumprir o meu dever e casar-me.

Aubrey olhou para ele surpreendido.

– Parece-me que estás a falar a sério. Graças a Deus, eu sou o filho mais novo e não tenho o dever de procriar, pelo menos de um modo legítimo.

– E a que actividade ilegítima é que vamos esta manhã? Deve ser importante para te tirar da cama a estas horas. Ou ainda não te deitaste?

– Dormi algumas horas – respondeu Aubrey. – Um homem tem de estar preparado para isto.

– E o que é isto exactamente?

– Vais ver com os teus próprios olhos.

Jack teve de se contentar com aquela resposta. Durante o resto do percurso, Aubrey recusou-se a revelar mais pormenores. Jack, curioso e um pouco zangado, alegrou-se quando a carruagem parou finalmente diante de uma casa modesta na Soho Square.

Seguiram vários cavalheiros pelas escadas até ao andar principal, onde Aubrey, depois de colocar umas moedas numa caixa que estava junto à porta, o conduziu pelo que parecia uma sala de baile remodelada. Junto à entrada havia alguns grupos de cavalheiros. Para além deles havia também uma fila de cadeiras, todas ocupadas.

– Eu sabia que estávamos atrasados! – resmungou Aubrey. – Agora temos de ficar em pé.

Depois de observar a multidão, abriu caminho por entre as pessoas até chegar a um lugar junto à parede.

– Teremos de nos conformar com este lugar. Ah, já começaram! Não é magnífico?

No silêncio repentino que se produziu, Jack ouviu o choque do aço. Concentrou a sua atenção no centro da sala e viu um homem mais velho vestido com umas calças e em mangas de camisa. O seu adversário, que estava de costas para eles, parecia apenas um rapaz. Mas antes que Jack pudesse observá-lo melhor, o jovem passou ao ataque.

Embora o mais velho, que claramente era o seu professor, fosse mais alto e forte, o jovem parecia estar à sua altura. As espadas lançavam faíscas à medida que o jovem atacava e contra-atacava, compensando a vantagem em tamanho e a experiência do professor com uma agilidade e uma audácia superiores e com mudanças arriscadas de direcção, que lhe permitiam fazer o outro recuar a pouco e pouco.

Jack esquecera o seu desgosto pela luta e seguia com muita atenção o jogo das espadas. Então, depois de parar um ataque que pretendia fazê-lo perder o equilíbrio, o jovem contra-atacou com um golpe tão veloz e inesperado que Jack mal viu a espada mexer-se, e ouviram-se os ruídos de aprovação que a galeria lançou quando a espada do professor saiu a voar pelos ares.

– Brilhante! – exclamou para Aubrey, quando o aluno se adiantava para apanhar a espada em queda. – Há quanto tempo...?

O rapaz desapertou a máscara e virou-se para eles e Jack interrompeu-se a meio da frase. O aluno, que caminhava para eles com a espada do professor na mão, não era um rapaz, mas uma rapariga.

Uma mulher, melhor dizendo. Jack olhou com aprovação para as curvas que conseguiam perceber-se sob a camisa e as calças. Como podia ter pensado que era um rapaz com aquelas ancas redondas e aquela deliciosa curva do rabo?

E o seu rosto... Jack conteve literalmente o ar quando os seus olhos pousaram no que devia ser uma das maravilhas da criação de Deus. A sua forma era oval e tinha a luminosidade de uma pérola da China. Uns olhos azuis profundos iluminavam o seu rosto. Embora os seus lábios cor-de-rosa não sorrissem e tivesse o cabelo loiro apanhado, era sem dúvida a mulher mais bonita que alguma vez vira.

O risinho de Aubrey tirou-o da sua contemplação.

– Eu não te disse?

Jack, que compreendeu pelo regozijo do seu amigo que devia ter a boca aberta, fechou-a de repente.

– Quem é?

Lady Belle. Ou, pelo menos, é assim que a alta sociedade a chama, seguindo o exemplo do seu protector, lorde Bellingham.

– Uma actriz?

– Não, uma cortesã. E desde que Bellingham morreu, no mês passado, é a mulher mais solicitada de Londres. Todos os cavalheiros sem compromisso da cidade lhe pedem para ser seus pretendentes, embora lorde Rupert – Aubrey apontou para um homem alto e magro, vestido de negro e com uma expressão tão sombria como o seu fato – esteja empenhado em superar todos os pretendentes. Segundo os rumores, uma vez ofereceu a Bellingham duas mil guineias para que deixasse Belle e duplicou a sua oferta à dama em privado, embora ela não tenha deixado Bellingham, por isso talvez sejam boatos. Pensei que talvez quisesses entrar na corrida.

– Com um preço de partida de quatro mil guineias? – Jack desatou a rir-se. – Eu não tenho tanto dinheiro. Ela é espectacular, sim, mas não posso dar-me a esse luxo.

– Se for verdade que rejeitou Rupert várias vezes, talvez procure algo mais do que dinheiro. Tu és um homem muito atraente e um herói de guerra. Talvez tenhas possibilidades. E se tiveres sucesso, talvez permitas ao teu melhor amigo que se prostre aos seus pés de vez em quando.

Algo no tom de voz de Aubrey fez com que Jack o olhasse nos olhos.

– Entregaste-lhe o teu coração?

O seu amigo suspirou.

– Não olharia para mim, sou um filho mais novo de aspecto modesto e de pouca fortuna. Mas espera... ainda não ouviste o mais divertido. Quando Wroxham descobriu que ela fazia aulas de esgrima com calças, a notícia espalhou-se rapidamente por toda a sociedade e os cavalheiros começaram a vir ver. Disse a Armaldi que cobrasse entrada, suponho que com a esperança de os afastar, mas isso só conseguiu aumentar a expectativa.

– Se juntar dinheiro suficiente com isto, talvez não precise de um novo protector.

– Oh, não! O dinheiro não fica para ela, oferece-o a Armaldi para o compensar pelo aborrecimento de ter tanta gente a observar. Mas Ansley, um jovem que a persegue desde a temporada passada, disse-lhe que os seus admiradores mereciam um prémio pela sua devoção e conseguiu que ela aceitasse bater-se com um cavalheiro depois da sua aula. Quem ganhar, ganha um beijo.

Jack reparou então em vários jovens que falavam com o professor de esgrima e começavam a levantar a voz num esforço de tentar convencê-lo a favor deles.

Enquanto a disputa continuava, lady Belle mantinha-se perfeita, com a ponta da sua espada a descansar no chão. Jack voltou a olhar para ela atentamente, o que fez aumentar a sua primeira admiração. Certamente, o seu aspecto tocava a perfeição, como se o mais dotado dos escultores gregos a tivesse esculpido à imagem de uma deusa e lhe tivesse insuflado vida. Embora a roupa escandalosa de homem que usava lhe ficasse larga, a amplitude das suas curvas era inegável.

Deu por si a imaginá-la com uma túnica clássica, com os braços e os dedos dos pés nus e o tecido fino a revelar, mais do que a ocultar, a forma dos seios e das coxas. O desejo deixou o seu corpo tenso e sentiu numa nuvem de calor a oprimir a sua garganta.

Obrigou-se a desviar o olhar. A última coisa de que precisava era cair sob o feitiço daquela cortesã, que certamente tinha exigências tão ilimitadas como a sua beleza e que possuía um coração tão quente como o mármore que os escultores gregos usavam.

– Não parece preocupada – disse, com uma voz mais afiada do que era a sua intenção. – Já alguém ganhou alguma vez?

– Ainda não. Mas isso não impede que os homens lutem pela oportunidade de tentar. Vamos, vai começar.

Naquele momento, o professor de esgrima assinalou um dos homens com um polegar imperioso. Os outros murmuraram palavras de desilusão, mas retiraram-se.

Os espadachins ocuparam os seus postos. Lady Belle desarmou e atirou ao chão o seu adversário em poucos minutos, com muita mais facilidade e definitivamente mais desdém do que demonstrara contra o seu professor.

Com o rosto inexpressivo, desviou o olhar do seu oponente derrotado e observou a multidão com os seus olhos azuis. Por acaso, o seu olhar cruzou-se com o de Jack. E manteve-se durante alguns instantes.

A força do encontro visual enviou vibrações através do corpo de Jack e fez com que os seus pêlos se arrepiassem. Os dois olharam-se durante um longo momento, até que ela afastou o olhar bruscamente.

Ignorando as vozes que a chamavam, contornou a figura do seu adversário vencido, cumprimentou com uma reverência o professor de esgrima e saiu.

 

 

Belle controlou um calafrio e obrigou-se a caminhar com calma e com passos firmes até à porta. O oficial alto e magro de uniforme escarlate que atraíra o seu olhar era um homem atrevido. Não o conhecia, o que implicava que devia ter chegado a Londres há pouco tempo.

Certamente outro cavalheiro aborrecido que tentava distrair-se assistindo ao último espectáculo. Bolas! Como desejava que aqueles inúteis a deixassem em paz!

Recusara lorde Rupert uma dúzia de vezes e rejeitara um monte de ofertas feitas em termos muito claros. Como podia fazer com que entendessem que não tinha intenção de aceitar nenhuma delas?

Finalmente era livre. Livre! Embora já tivesse passado um mês, aquela palavra ainda a fazia sorrir. Depois de mais de seis longos, dolorosos e humilhantes anos, os anos de vida que lhe restavam pertenciam-lhe. Embora ainda não tivesse decidido o que iria fazer, para além de continuar a treinar para nunca mais voltar a estar à mercê de um homem.

A sua companheira, Mae, uma mulher mais velha, gordinha, de caracóis loiros, olhos azuis vivos e um vestido cujo corte escandaloso proclamava a sua anterior profissão, esperava-a no hall para a ajudar a mudar de roupa.

– Correu bem a aula? – perguntou.

– Sim – respondeu Belle, enquanto despia a roupa de homem. – Armaldi sugeriu-me uma mudança na postura que melhorou muito o meu ataque.

– Acho que acabaste depressa com o teu adversário – comentou Mae, enquanto lhe estendia o vestido. – Quem era hoje?

– Wexley. Luta como uma cabaça. Pulsos de madeira, má forma física, não tem ideia nenhuma do que é estratégia... Por sorte, para a segurança de Inglaterra, nunca esteve no exército.

Aquele comentário lembrou-a do capitão de olhos escuros e sentiu um aperto no peito.

– Oh, quase me esquecia! – Mae tirou um bilhete selado da sua mala. – Um rapaz trouxe isto para ti.

Enquanto Mae lhe apertava os botões das costas do vestido, Belle leu a carta.

– É de Smithers, o meu advogado, para que vá encontrar-me com ele quando puder – franziu o sobrolho. – Acho que posso passar por lá a caminho de casa.

– O que achas que quer? – perguntou Mae com alguma ansiedade. – É o que trata das tuas finanças, não é? Espero... espero que não seja nada de mal.

– Não estejas preocupada. Revi as minhas contas com ele no mês passado e os investimentos estão a correr bem.

– Que profissional! De certeza que tens razão. Recursos e investimentos! – a mulher abanou a cabeça. – Na minha época, comprávamos jóias, vestidos e carruagens. Tens a certeza de que não queres aceitar outra oferta? Tiveste tantas este mês! E alguns dos cavalheiros são encantadores.

Belle, que já tinha respondido àquela pergunta várias vezes, teve de fazer um esforço para não responder com dureza.

– Poupei durante anos até ao último tostão e pedi a Smithers que aplicasse o dinheiro em investimentos seguros. O dinheiro não nos acabará e a casa e os móveis estão escriturados no meu nome. Não preciso de outro protector.

– Bem sei que não foste muito feliz com lorde Bellingham, mas de certeza que consegues encontrar alguém de quem gostes. Não podes viver sem um homem.

Belle começava a perder a paciência.

– Porque é que continuas a insistir para eu arranjar um amante? Tu sabes quão pouco confiáveis são as promessas deles.

– Oh! Na minha juventude, a inconstante era eu, que mudava de amante assim que recebia uma oferta melhor. Mas no fim... – Mae suspirou. – Não deves culpar Darlington pela sua falta de perseverança. Eu estou velha e é natural que os homens prefiram uma mulher mais jovem.

Belle arrependeu-se da sua brusquidão.

– Desculpa – disse. – Foi Darlington quem ficou a perder, porque de certeza que não encontra ninguém que tenha um carácter tão doce como o teu nem um coração tão generoso.

Mae sorriu-lhe com os olhos húmidos.

– És uma menina encantadora e não sei o que me teria acontecido se não me tivesses ajudado quando ele se livrou de mim. Eu não fui tão inteligente como tu e, quando acabasse de vender as minhas jóias todas...

– Tu foste a única mulher que me tratou bem no primeiro ano em que Bellingham me trouxe para a cidade, quando pensei que ia morrer de solidão – e de vergonha, mas isso não disse. – E depois foste uma verdadeira amiga. Além disso, quem me aconselhou que aceitasse todos os presentes que Bellingham me desse e os guardasse para quando precisasse? Devemos a nossa riqueza a esse sábio conselho.

– És muito amável – respondeu Mae. – Mas eu não sei distinguir entre um fundo e um fideicomisso, garanto-te.

– Bom, já chega. Queres fazer-te passar por mim, enquanto vou encontrar-me com o advogado? Far-me-ias um grande favor se levasses a carruagem da porta da frente enquanto eu me escapulo calmamente pela porta de trás. Assim que vi a multidão que havia hoje, pedi a Meadows que chamasse uma carruagem alugada. Não quero que me sigam.

– Não queres que saibam que vais ao advogado?

– Não, porque onde quer que a minha carruagem esteja, atrai as atenções das pessoas mais irritantes. Além disso, da maneira como esse vestido novo te fica bem, de certeza que encontrarás admiradores pelo caminho. Darlington arrepender-se-á da sua decisão.

– O vermelho sempre me ficou bem e, embora pareça falsa modéstia, conservei a minha figura. Antes diziam que eu tinha os seios mais magníficos de Londres – Mae deu umas palmadinhas nos amplos seios, cuja parte superior aparecia no decote do vestido escarlate. – E tendo em conta que Frederic me trocou por aquela rapariga da ópera, a criatura mais fria e soberba que alguma vez conheci, não duvido que se tenha arrependido da sua decisão.

Belle abraçou a sua amiga.

– Eu tenho a certeza. Vamos, vai-te embora e distrai aqueles chatos.

– Tu, minha querida, tens o aspecto que qualquer mulher desejaria – Mae olhou para Belle de cima a baixo. – És linda, mas é um pecado que, com esse aspecto, uses um vestido cinzento, feio e sem decote – abanou a cabeça.

Belle encolheu os ombros.

– Agora posso vestir-me para agradar a mim própria.

Mae olhou para ela pensativa.

– E sentes-te agradada assim? Não quero parecer chata e de certeza que me consideras uma velha tola e romântica, mas não entendo como consegues viver sem um homem na tua vida. Não é... não é natural.

Belle aproximou-se da porta com um sorriso.

– Vejo que não ouviste os meus caluniadores. Não ouviste dizer que sou a mulher mais antinatural de Inglaterra?

Dois

 

Assim que Mae saiu, Belle dirigiu-se para a escada de serviço. Mae, que se divertia com aquela encenação, trocaria comentários picantes com os cavalheiros que a esperavam, divertir-se-ia com os seus elogios e sem dúvida nenhuma receberia com discrição alguma moeda misturada entre os bilhetes que prometeria entregar à sua companheira. Quando os homens percebessem que Belle não ia sair por ali, ela já estaria muito longe.

Atou o lenço que cobria o seu cabelo dourado, vestiu a capa e encaminhou-se para a porta de trás, onde a carruagem alugada a esperava. Enquanto o veículo a levava de Soho até City, perguntou-se o que podia ser tão importante para que o seu advogado a chamasse daquele modo.

Teria encontrado problemas para mudar os termos do fideicomisso de Kitty? Esperava que não.

Enquanto caminhava para a porta, os homens não repararam nela, coisa que lhe agradou. Embora se vestisse cada vez com mais discrição e tivesse trocado a carruagem de cor azul brilhante de Bellingham por uma de cor preta, dificilmente passava despercebida e não conseguia ter o grande prazer de caminhar por uma rua de Mayfair e chamar tão pouco a atenção como qualquer outro londrino dedicado aos seus assuntos.

Alguns minutos depois de ter chegado, o estagiário do senhor Smithers fê-la entrar no escritório do advogado, onde este lhe agradeceu por ter atendido tão rapidamente ao seu pedido.

Belle sentou-se na cadeira que o advogado lhe indicou.

– Espero que não me vá informar que os meus investimentos correram mal.

O advogado sorriu e abanou a cabeça.

– Pelo contrário. Tenho o prazer de a informar de que é a principal beneficiária do testamento do falecido Richard Maxwell, visconde de Bellingham. É claro que, a casa familiar fica para o primo que herda o título, porém, para além de umas ofertas modestas para a esposa e para a filha, lorde Bellingham deixou-lhe tudo o resto, dinheiro, uma mansão em Suffolk, uma casa de campo em Lincolnshire e outra em Londres.

Belle olhou para ele surpreendida, incapaz de acreditar no que acabava de ouvir.

– Mas tem de haver um erro!

– É anormal, dado que você não tinha laços de sangue nem legais com o falecido, mas é legal. E não é um erro. O advogado do falecido visconde passou ontem a tarde toda comigo a explicar-me os detalhes.

– Mas... porquê? – perguntou Belle, mais para si mesma do que outra coisa. – Sabia que, se lhe acontecesse alguma coisa, eu tinha meios suficientes para me manter – franziu o sobrolho com perplexidade, tentando adivinhar as razões de Bellingham. – Quanto deixou à esposa e à filha dele?

– Duzentas libras a cada uma. E a sua fortuna em dinheiro e em investimentos rondará as vinte mil libras.

– Vinte mil...! – repetiu Belle. – Mas isso é terrível!

Belle sentia-se cada vez mais irritada à medida que ouvia a explicação. Levantou-se e começou a passear pela sala, demasiado furiosa para conseguir falar.

– Aparentemente – disse Smithers com calma, – lorde Bellingham queria certificar-se de que você tinha meios suficientes. Agora é uma mulher extremamente rica.

– E, portanto – repôs ela, – é muito menos provável que eu arranje outro protector para ocupar o lugar dele.

O senhor Smithers não respondeu e Belle recordou com clareza uma cena do passado. Ela, zangada e a sentir-se culpada ao pensar numa filha de dezasseis anos abandonada pelo seu pai, a ameaçar deixar Bellingham se ele não cumprisse com as responsabilidades que tinha para com a família dele e se não voltasse a morar com a sua esposa pelo menos aparentemente. E Bellingham a ameaçar que, se ela se fosse embora, abandonaria completamente a sua família para a procurar. Tinham conseguido chegar a um acordo intermédio onde Bellingham se recusava a deixar de viver com ela, mas acedia a visitar com mais regularidade a sua esposa e a sua filha.

Aquela era a última atitude do falecido protector: uma amostra permanente e legal do desprezo pela sua esposa e a sua preferência por ela, feita de tal modo que não podia discutir com ele nem rejeitar.

Mais uma vez tentava controlar a sua vida, transformá-la em propriedade dele e obrigá-la a fazer o que ele queria... inclusive no caixão.

Já conseguia imaginar os mexericos maliciosos que circulariam pela alta sociedade quando se conhecessem os termos do testamento.

A sensação de alívio que sentia desde a morte de Bellingham desapareceu e sentiu um aperto no peito com a mesma força da obrigação que suportara durante quase sete anos.

Então ocorreu-lhe uma solução. Talvez houvesse um modo de evitar aquela atitude.

– A herança é legalmente minha... recursos, propriedades... tudo?

– Sim. Num esforço por proteger a viúva e a filha, os advogados de Bellingham passaram várias semanas à procura de um modo de evitar os termos do testamento, mas sem sucesso. É legal e a herança é sua.

– E posso fazer com ela o que quiser?

– Sim, embora eu recomende que, com um montante tão importante e com tantas propriedades, contrate um agente que a ajude a administrar – Smithers olhou para ela com curiosidade. – Tem alguém em mente?

– As minhas contas estão em ordem, não estão? Não detecta nada que me impeça de continuar a viver bem o resto da minha vida?

O advogado inclinou a cabeça.

– Com as suas contas, pode viver comodamente, mas não com o estilo de vida que esta herança lhe oferece.

– O fideicomisso de Kitty está seguro até se casar?

– As suas finanças estão no mesmo estado que discutimos o mês passado.

– Muito bem. Assim que os meus investimentos valorizarem e me transfiram a herança, quero estabelecer um fideicomisso novo.

O senhor Smithers assentiu.

– Sábia escolha. Pode optar por deixar parte do dinheiro em depósito...

– Um fideicomisso – interrompeu-o ela – a favor de lady Bellingham e da menina Bellingham, com uma parte adicional para o dote da menina Bellingham. Consulte os termos exactos com os advogados da família; sem dúvida eles conhecerão melhor as suas necessidades. E quero vender todas as propriedades aos seus legítimos herdeiros... ao preço de um xelim cada uma.

O advogado abriu muito os olhos surpreendido.

– Tem a certeza, lady Belle? É uma grande fortuna.

– Que devia ter sido para aquela família. Eu não a quero nem é justo que a receba – respondeu ela. – Não quero que aquele homem continue a mandar em mim – acrescentou num tom desafiante.

O senhor Smithers sorriu.

– Tratarei de tudo. Os advogados da família ficarão surpreendidos... e também muito aliviados.

– Não se esqueça de lhes apresentar a conta – recomendou-lhe Belle com um sorriso, sentindo já a euforia de ter tirado um peso de cima. – Chame-me quando os papéis estiverem prontos. E agora, se não há mais nada...

O sorriso de senhor Smithers aumentou.

– Eu diria que herdar e oferecer uma fortuna deve chegar para um dia.

– Nesse caso, vou-me embora – respondeu Belle, satisfeita por ter evitado a última armadilha de Bellingham. – Quero agradecer-lhe pela sua experiência e pelos seus conselhos ao longo dos anos. Poucos homens teriam aceitado uma... cliente tão pouco recomendável. Estou-lhe muito agradecida.

O senhor Smithers fez uma pequena reverência.

– Eu aprendi consigo, senhora, que as aparências enganam e que se pode encontrar honra em pessoas de todas as condições. O que vai fazer é muito nobre.

– O que vou fazer é apenas justo – replicou Belle. – É verdade... Se a família não conhecer ainda os termos do testamento, prefiro que os detalhes fiquem entre os advogados de Bellingham e o senhor. Quero que a família dele pense que o fideicomisso foi feito por lorde Bellingham. Como devia ter sido – acrescentou com brusquidão.

– Dada a... natureza sensível do donativo, tenho a certeza de que os advogados do falecido visconde ficarão contentes de cumprir essa petição – Smithers inclinou-se novamente diante dela. – Bom dia, lady Belle.

– Senhor Smithers... – Belle fez uma reverência e saiu da sala, sentindo que controlava o seu destino.

 

 

Depois de aguardar alguns minutos, a pedido de Aubrey, em casa do professor de esgrima com a esperança de ver novamente a sua deusa, Jack estava esfomeado quando chegaram finalmente ao White’s. Assim que a carruagem de lady Belle desapareceu, levando apenas a companheira desta, Jack parou a primeira carruagem de aluguer que apareceu e foi com o seu amigo ao clube, que encontraram quase deserto. Pediram o pequeno-almoço e sentaram-se.

– E então – perguntou Aubrey com um sorriso, – não estás contente por eu ter insistido para que me acompanhasses?

Uma visão de olhos azuis e um olhar intenso invadiu a mente de Jack.

– Sim, acho que sim.

– Achas? – repetiu Aubrey. – Achas que estás feliz por ter descoberto a mulher mais deliciosa de Londres e possivelmente do mundo? Bolas, Jack, transformaste-te num homem muito estranho!

– Desculpa ser tão aborrecido – Jack sorriu. – Concordo que lady Belle é tudo o que tu dizes. Se me sentisse preparado para desfrutar dos prazeres carnais e tivesse guineias suficientes para me permitir isso, talvez me sentisse tentado a entrar na lista. Mas já te disse que quero criar raízes.

Aubrey fez um ruído de desgosto e fechou os olhos.

Jack soltou uma gargalhada.

– E, para além disso, tenho de pensar na temporada de Dorothy. Ela não me perdoaria se a envergonhasse no ano mais importante da sua vida ao correr atrás de uma cortesã.

– Isso é verdade – murmurou Aubrey. – Mas poderias ser discreto. Os homens fazem sempre isso. Visitam as damas no Almack e depois passam pelo Green Room para ver as suas actrizes predilectas. Além disso, porque não a visitas para fazer um favor ao teu melhor e mais leal amigo? Não consegues convencer-me de que te é indiferente porque não acredito.

Jack bebeu um gole de cerveja. Era verdade que queria procurar uma esposa e que não podia permitir-se a competir pelos favores de lady Belle. No entanto... o seu forte olhar azul atraía-o contra toda a lógica, prudência e bom-senso.

– Acho que não há mal nenhum em visitá-la – admitiu. Aubrey deixou o seu copo sobre a mesa e soltou um riso vitorioso.

– Eu sabia que nenhum homem conseguiria resistir-lhe.

– A lady Belle? – perguntou um cavalheiro que acabava de entrar na sala com um grupo de homens. – É claro que não. Viu-a com a espada, não viu? Magnífica! Derrotou o pobre Wexley sem problemas.

– Jack, já conheces Montclare – disse Aubrey, enquanto se levantavam para cumprimentar os recém-chegados. – Farnsworth, Higgins e o jovem é Ansley. Andaram em Oxford, porém como estavam noutro curso, acho que não os conheces.

Depois de trocarem saudações, Aubrey disse:

– Vamos, cavalheiros, ajudem-me a brindar pelo regresso do meu amigo são e salvo.

– Será um prazer – repôs Montclare. – Muitos dos nossos companheiros de Oxford não voltaram depois de Waterloo.

Depois de beber, Aubrey dirigiu-se a Montclare.

– Wexley virá cá ou escondeu-se em casa depois da sua actuação triste?

– Oh, acho que deve vir afogar as suas mágoas! O pobre homem pensava mesmo que ia ganhar o beijo – Montclare sorriu.

– Teve sorte por não ter acabado como um peru de Natal – observou Farnsworth.

– Nunca a tinha visto antes, Carrington? – perguntou Higgins.

– Não, certamente que não – respondeu Montclare por ele. – Foi para o exército em... 1808, não foi, Jack?

– Sim. Tive uma licença depois da Corunha e outra entre Toulouse e Waterloo, mas passei esse tempo em Carrington Grave, não em Londres – confirmou Jack.

– E se bem me lembro, Bellingham trouxe Belle para a cidade em 1811 – disse Farnsworth.

– Na Primavera de 1811 – declarou Aubrey com reverência. – No baile de Cyprian. Usava um vestido alvo virginal e era a mulher mais bonita que eu alguma vez vi. Continua a ser.

– Bonita, claro que sim, mas «virginal» não – Farnsworth riu-se. – Possui um coração tão duro como as guineias cujo brilho rivaliza com o seu cabelo dourado.

– Dizes isso porque acaba de rejeitar a tua oferta – acrescentou Ansley com fervor. – É tão bonita como encantadora. Como sabe que nunca poderia permitir-me possuí-la, quando lhe supliquei que me deixasse lutar com ela com a esperança de ganhar um beijo, acedeu em seguida.

– Certamente porque sabia que não ganharias – respondeu Farnsworth. – E é verdade que não poderias permitir-te a isso. Deves saber a fortuna que Bellingham gastou com ela ao longo dos anos! Vestidos dignos de uma rainha, jóias tão impressionantes como as da Coroa, cavalos, carruagens, uma casa na cidade e outra no campo – abanou a cabeça. – Aquele homem estava louco por ela.

– Qualquer um diria que devia estar muito contente com o dinheiro e com os cuidados que ele lhe dedicava – observou Montclare. – E no entanto, há dois anos, conseguiu convencê-lo a viver abertamente com ela. É verdade que Bellingham não se dava bem com a sua esposa, mas não devia ter humilhado a sua família publicamente.

– Não se pode esperar que uma mulher como Belle queira agir correctamente – respondeu Higgins. – Além disso, todos sentimos a força que manteve Bellingham ao lado dela durante tantos anos. Ouviram falar daquele episódio no Vauxhall, não ouviram? – acrescentou com um olhar lascivo.

Naquele momento chegou o empregado com os pedidos, o que fez com que a conversa parasse e Jack tivesse tempo para reflectir.

Embora soubesse que não devia dar credibilidade aos mexericos das pessoas, sentia uma desilusão irracional ao imaginar Belle tal como Farnsworth a descrevia. Mas antes que pudesse continuar a reflectir sobre isso, o seu olhar parou numa pessoa que se aproximava e levantou-se com um sorriso.

– Edmund! Como fico contente por te ver!

Edmund, lorde Darnley, um dos melhores amigos de Jack de Eton e Oxford, estendeu-lhe a mão.

– Jack! Graças a Deus; é um prazer ter-te em casa.

– Ah, Darnley! Que encontro tão magnífico perdeste esta manhã! – exclamou Montclare. – Depois de desarmar Armaldi, coisa nada fácil na verdade, Belle deitou o pobre Wexley ao chão em poucos segundos. Por falar nisso, onde estavas?

– Embora vocês não tenham nada melhor para fazer do que ver Wexley a cair no ridículo, algumas pessoas trabalham – Darnley sorriu e aceitou a cadeira que Aubrey lhe oferecia.

– Trabalho... ora! – Higgins fez um gesto desdenhoso com a mão. – Desde que lorde Riverton o nomeou seu ajudante no Gabinete, acha-se tão importante para o Governo como Wellington.

– A inveja dos indolentes e incompetentes – Edmund riu-se. Piscou um olho a Jack.

– Não lhe liguem – interveio Farnsworth. – Vais contar-nos a história de lady Belle no Vauxhall?

Os olhos de Higgins brilharam.

– Ah, sim! Nunca esquecerei, embora tenha sido já há quase quatro anos. Eu e um grupo de amigos fomos aos jardins e vimos Bellingham com Belle e uns amigos, todos bastante bêbados. Belle usava um vestido de uma malha muito fina com um decote tão baixo que quase deixava completamente a descoberto os seios. E de facto, Bellingham disse que preferia saboreá-la a ela, porque os morangos dos seus mamilos eram muito mais doces.

Naquele momento, todas as pessoas que estavam presentes no clube estavam em silêncio e com atenção às palavras de Higgins.

– Bellingham inclinou-se sobre Belle e, com homens e mulheres de toda a condição social a poucos metros de distância, começou a chupar-lhe os seios através do vestido.

Houve um coro de exclamações.

– Quando acabou – continuou Higgins, – o corpete do vestido estava completamente transparente, o que permitia a todos ver aqueles morangos deliciosos e descobrir quão dignos eram de ser chupados. Mas antes que conseguíssemos ver, Belle sugeriu um passeio. Eu tinha a certeza de que Bellingham queria levá-la por um dos caminhos mais escuros e acabar o que tinha começado, mas ele convidou o grupo a acompanhá-lo e nós, que não podíamos imaginar o que aconteceria depois, aceitámos.

Jack estava escandalizado pela ideia de um acto tão íntimo ser feito em público, à vista de homens e mulheres decentes, mas envergonhava-o admitir que se sentia tão atraído como enojado pela história. Um homem de honra afastar-se-ia dali e não quereria ouvir mais. Tentou convencer-se de que devia fazer precisamente isso... mas as suas pernas não pareciam obedecer ao seu cérebro.

– Bellingham dirigiu-se para um dos caminhos mais escuros – prosseguiu Higgins, – e anunciou que sentia necessidade de vomitar parte do vinho que tinha bebido. Quando acabou essa tarefa, em vez de esconder o seu estandarte, que, como podem imaginar, estava mais do que a meia haste, pediu a Belle que fosse com ele. Aconselhou-a a agarrar-se a algo firme, pôs a mão dela em redor do seu pénis e começou a andar... com os dedos dela a acariciá-lo a cada passo.

Higgins fez uma pausa para beber um gole e todo o seu público susteve a respiração. Jack quis levantar-se e sair, mas os seus membros inferiores continuaram a desafiá-lo.

– Quando chegámos à carruagem, Bellingham não era o único que estava com dificuldades para respirar. Assim que o lacaio abriu a porta, Bellingham lançou-a de costas sobre o assento e, connosco, incluído o lacaio, a olhar, levantou-lhe as saias até à cintura e afastou-lhe as pernas. Nunca esquecerei a visão daquelas coxas cremosas e os lábios cor-de-rosa num ninho de caracóis dourados. Bellingham tirou os seios dela para fora do vestido e penetrou-a. O lacaio, demasiado pasmado para conseguir mexer-se, não fechou a porta da carruagem e, por isso, nós vimos tudo. Os olhos frágeis e a boca aberta de Belle quando Bellingham a penetrava... os seus seios nus a saltar... Devo admitir que o lacaio não foi o único mirone que descarregou a sua arma naquela noite – Higgins exalou com força. – Foi a experiência mais erótica da minha vida.

No meio dos gemidos, suspiros e comentários dos cavalheiros reunidos, Jack ouviu Ansley murmurar:

– Não acredito.

Embora com o cinismo da idade, ele compreendesse o fundamental da história, e até todos os detalhes, provavelmente verdadeiros, simpatizou com a recusa do rapaz em aceitar que a bonita mulher que adorava conseguisse participar num episódio tão cru e tão carnal. Antes que Jack pudesse decidir se se sentia mais enojado com Higgins por contar a história ou consigo mesmo por a ouvir, entrou outro homem na sala.

– Ah... lorde Rupert! – exclamou Higgins, fazendo gestos ao recém-chegado. – Ele também foi testemunha do que acabo de descrever. De facto, milorde sentiu-se tão atraído pelo que viu e ouviu naquela noite que ficou louco pela rapariga, não é verdade, Wendell?

Lorde Rupert não lhe prestou atenção e aproximou-se com calma. Higgins virou-se novamente para o grupo.

– Depois daquilo, Bellingham afastou-a durante algum tempo da cidade; alguns acham que foi porque receava que Rupert tentasse roubá-la. Embora, dadas as quantias que supostamente lhe ofereceu e ela rejeitou – disse Higgins, dirigindo-se ao barão, – não pareça que ela queira ter nada a ver com ele.

– Se Bellingham ainda fosse vivo – disse Rupert, pousando o olhar gelado em Higgins, – não ousarias contar essa história, miserável lombriga. – Tu e todos os outros juraram guardar segredo.

O rosto de Higgins corou.

– Mas isso era só...

– Acho que, em honra da sua memória, devia encarregar-me de ti no lugar dele – interrompeu-o Rupert. – Talvez fosse mais... saudável que saísses da cidade.

Higgins empalideceu sob o escrutínio do outro. Depois de um momento de hesitação, levantou-se e saiu da sala.

– Quanto à encantadora lady Belle – prosseguiu Rupert com tanta calma como se não tivesse acontecido nada, – tenho muitas esperanças de que acabará por me aceitar. Não se enganem... mais cedo ou mais tarde será minha.

– Mas ainda não é tua – comentou Ansley. – E todos temos o direito de tentar.

– Todos? – Rupert soltou uma gargalhada. – Eu não acredito que tu consigas ganhar sequer um beijo, jovem. Precisarias de um espadachim muito mais habilidoso do que alguma vez tu conseguirás ser.

– Atrevo-me a dizer que Carrington conseguiria fazê-lo – interveio Aubrey. Foi o melhor espadachim de todos nós desde Eton.

– É verdade – assentiu Montclare. – O que dizes, Jack? Vais tentar?

Jack sabia que devia pôr imediatamente fim à discussão. Afinal de contas, a história sórdida de Higgins devia tê-lo impulsionado a não querer ter nada a ver com uma mulher que se exibira mais do que uma prostituta do Seven Dials.

Mas não conseguia conciliar aquela visão ofensiva com o olhar intenso da mulher que desarmara o seu professor de esgrima, que derrubara o seu adversário seguinte e que saíra da sala ignorando as ofertas lançadas por uma galeria de suplicantes impacientes.

Lasciva. Fria. Uma mulher de bom coração. Qual daquelas descrições reflectia a verdadeira lady Belle?

– Claro que o fará. Não é? – perguntou Aubrey.

Sem ter tomado uma decisão consciente, Jack ouviu-se responder:

– Acho que sim.

– Incrível! – exclamou Aubrey. – Aquele beijo está ganho.

Jack desatou a rir-se, mas, antes que pudesse responder, sentiu um arrepio na nuca que com frequência, durante os seus anos como soldado, fora um presságio de perigo. Virou-se e viu o olhar de lorde Rupert fixo nele.

– Talvez ganhe um beijo – admitiu este depois de o observar. – Mas jamais conseguirá ir para a cama com Belle.

– Isso é uma ameaça? – quis saber Aubrey.

– Não, ou melhor, é um desafio – pensou Montclare.

– Claro que não, é uma aposta! – gritou outro homem.

– Sim – assentiram os outros.

E antes que Jack pudesse dizer alguma coisa, várias vozes pediram a um empregado que trouxesse o livro das apostas.

Embora Jack não tivesse nenhum interesse em nada que fosse para além de um encontro de esgrima, os outros homens, depois de o informarem que a sua participação era desnecessária, anotaram a aposta.

Feito isso, Rupert afastou-se depois de se despedir de Jack com uma inclinação de cabeça. Os outros começaram a dispersar. Jack declinou o convite de Aubrey para jogar whist e aceitou a oferta de Edmund de o levar aos seus aposentos.

Depois de percorrer várias ruas em silêncio na carruagem de Edmund, este virou-se para Jack.

– É verdade que vais desafiar lady Belle?

– É capaz de ser interessante. É muito hábil. Demasiado para uma mulher – Jack hesitou. – O que pensas dela?

– Achas que ela participou na história de Higgins ou pensas que a história é o exagero de um incidente inocente contado por um bêbado?

Jack encolheu os ombros.

– A narração foi um pouco... crua.

– Receio não saber a verdade. Lady Belle parece possuir demasiada... dignidade para participar numa situação dessas. Mas seja como for, duvido que isso tenha alguma coisa a ver com a sua destreza com a espada.

– Suponho que não.

– Se queres ter uma imagem dela melhor, podes ir esta noite ao Drury Lane. Lady Belle tem um camarote lá. Quando pensas desafiá-la?

– Aubrey comprometeu-me para amanhã.

Tinham chegado ao Albany e Edmund puxou as rédeas.

– Nesse caso, só vou para o escritório depois desse encontro. Desejo-te muita sorte.

– Obrigado – Jack apertou a mão do seu amigo. – Pela viagem e pela opinião.

Edmund assentiu.

– Drury Lane, parte superior direita. Esta noite tenho de trabalhar, se não acompanhar-te-ia. Em qualquer caso, espero que aquele canalha do Rupert não ganhe.

Afastou-se e Jack observou-o durante algum tempo e em seguida subiu as escadas. Tinha de arrumar as suas coisas no quarto, consultar o seu advogado, contratar um ajudante de câmara, comprar roupa nova e visitar o Regimento de Cavalaria.

E não queria chegar tarde ao teatro.